domingo, 8 de dezembro de 2013

Baixo, gordo e careca

Há uma lenda que Júlio César, após voltar vitorioso das batalhas para ampliar os domínios de Roma, sempre ia conversar com um dos seus conselheiros mais íntimos, que lhe dizia: César, não se esqueça que é baixo, gordo e careca.

Não sei a veracidade dessa história, mas ela representa bem mais que o óbvio. Na volta para Roma, César estava num céu, em que não tinha iguais a ele. Era um ser imbatível, mortífero, um semideus. Mas quanto maior o ego, maior a queda. Por isso, ele precisava de um conselheiro para apontar para as suas características mais humanas, aquelas partes que poderiam ser vistas como "defeitos", que o "diminuíam", dentro de um padrão pré-estabelecido do que seria bom ou grande.

César não foi o único a sentir o gosto da divindade. Basta pensar nas celebridades atuais e como eles são idolatrados. Muitas vezes, sem qualquer justificativa - vide o caso dos fãs dos ex-BBBs, por exemplo.

Vou mais longe: há casos que nós, seres humanos normais, que devemos pagar nossas contas, trabalhar de segunda a sexta [às vezes mais], juntar uma grana para tomar uma cervejinha de vez em quando, também temos a bola tão cheia, que nos esquecemos também que somos baixos, gordos e carecas. O excesso de sorte, por exemplo, é, por si só, um azar já que não te prepara para o fracasso a que todos estamos condenados - cedo ou tarde. Não quer dizer que somos fracassados, mas que passaremos por momentos de revés. E do alto do Olimpo fica difícil enxergar a planície.

Há ainda uma outra forma de se pensar, para tornar esse raciocínio um tiquinho mais complexo. Quando temos sucesso, geralmente nos esquecemos que há outras pessoas ao nosso redor. É a nossa vontade que nos guia à frente, e que vai avançando, avançando, derrubando os entraves que aparecerem, até que encontra um que se mostra intransponível - ao menos, da maneira como você estava acostumado a galgar. Diante dessa negativa, se vê perdido porque não percebia o entorno, a humanidade que lhe envolve, lhe abraça, existe além e apesar de você. É grande o desespero.

Nesses momentos, se percebe que as vontades são importantes para nos levar à frente, para nos fazer viver, sempre, e cada vez mais, mas que elas não são, não podem ser, a única forma de vivência. Apenas sob a égide da vontade, é capaz de você se isolar do restante da humanidade, se tornar uma espécie de ermitão, mesmo dentro da mais populosa cidade. A vontade é individualista, exclusivista.

É necessário, de alguma maneira, também equilibrar a vontade com o momento em que não se faz nada, apenas se deixa levar pela maré, para algum porto qualquer. Esperar a grande tempestade passar porque, dentro dela, não se pode guiar muito bem o destino do barco. Na emergência, a tática é a do menor prejuízo. É o momento de se usar a razão, para tentar controlar o desespero que simplesmente quer abandonar o navio e afundar mar adentro.

Mas também não pode exagerar no assunto, com o perigo de se tornar alguém muito pré-programado. A grande sapiência, a única, talvez, e que não se aprende em nenhum lugar, e talvez nunca se aprenda, é saber em que momento se deve liberar a vontade e em quais a única coisa que se pode fazer é esperar, e se diluir no meio de toda a humanidade. Porque até César tinha seus momentos de humano, demasiado humano.

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