terça-feira, 18 de junho de 2013

Festa da galhofa e da melancolia

[Texto que eu escrevi para a série de depoimentos que estamos publicando na Revista de História]

Foi uma festa. E como toda festa, há os com-noção e os sem-noção, sendo “noção” aqui entendida em vários sentidos. Seja o de ter alguma ideia do que estava acontecendo, seja o de perder o respeito pelos outros.  E como toda festa também, havia animação. A Orquestra Voadora estava presente. Havia gritos de carnaval. Gritos do futebol. Será que precisamos mesmo aprender a protestar? Por que todo protesto deve ter raiva mesmo? Havia muito humor também nos cartazes: “R$ 2,95? Só com open bar”, dizia um, em referência o novo preço da passagem dos ônibus do Rio. “Ei polícia / vinagre é uma delícia”, gritavam outros.

“O gigante acordou” era um dos “slogans” mais pronunciados. “Slogans”, não gritos de guerra, não gritos de ordem. “Fora... (acrescente o nome de um político no cargo executivo)” era outro. Nenhuma esfera do governo foi perdoada.

Fiquei parado durante um tempo na Avenida Rio Branco, perto da Avenida Sete de Setembro, a rua que leva à redação da Revista de História. Algo como uma hora. Parado, vendo o movimento de uma multidão que descia a antiga Avenida Central em direção à Cinelândia. Eram vários blocos compactos de manifestantes. Os primeiros, os que iam à frente de todos, talvez não fossem quem mais representava a maioria. Porque empunhavam flâmulas partidárias, que foram rechaçadas pelo restante do grupo aos gritos de “abaixa a bandeira / abaixa a bandeira”. Os protestos parecem deixar uma informação clara: a política partidária, como nós a conhecemos agora, “não me representa”, para usar uma expressão atual.
Em outro “bloco”, um minicarro de som. A moça no microfone, provavelmente uma paulista, pede para todo mundo abaixar, e depois, todo mundo se levanta numa catarse coletiva. Era uma festa, uma festa com gente não convidada.

Ao meu lado, estavam três catadores de papel, atividade que é forte na região. Era a hora de eles trabalharem. Estavam lá, assistindo a tudo, ao meu lado, entre o entediado e o bocejante. Em certo momento, passa um sujeito com um cartaz cheio de informações e para em frente a eles, como que quisesse mostrar algo. Só sai quando um dos catadores acena com a cabeça, como se dissesse, já entendi, agora você me dá licença?

Ao sair da manifestação, me lembrei de Machado de Assis, e de suas “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Logo no início do livro, na sua dedicatória ao leitor, o defunto autor fala que escreveu suas memórias com “a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. Talvez, nessa frase, Machado tenha identificado o caráter do povo brasileiro, de uma maneira que quase ninguém mais percebeu. Na manifestação, essa nossa “galhofa” aparecia em cada um dos momentos festivos, cada uma das piadas, das músicas, das gracinhas. Já a melancolia foi o que nos levou às ruas. Após uma década acumulando essa bile amarga, a gota de uma moeda imaginária de 20 centavos, transbordou o pote. Agora, a melancolia se travestiu de manifestações bem menos passivas. Uma melancolia que às vezes pode ser até raivosa.

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