quarta-feira, 17 de abril de 2013

É preciso ter fé

Viver é um ato de fé. Ou de crença - da maneira mais genérica que isso pode ser interpretada. [É complicado começar um texto fazendo eco a uma frase do Paulo Coelho. Mas fico mais tranquilo quando nossas concordâncias são apenas coincidentes.] O que quero dizer é: sem acreditar, esse ato que não envolve necessariamente a razão, não viveríamos.

Pensemos quando somos bebês: vamos tomando consciência, despertando. Fazemos tudo quase como automático, por instinto, pela natureza, pela vontade. Aos poucos, começamos a ter fé, a crer, a acreditar. Aquele pé que eu vejo, aquele pedaço de carne gordinho que fica tão perto de mim, é meu. É parte de mim, sou eu também. Ou seja, primeiro acreditamos, depois vamos raciocinar sobre as regras e os usos daquele pé ali.

Depois, acreditamos naqueles seres que estão conosco sempre, que nos alimentam, que nos carregam para cima e para baixo, que nos ouvem, conversam conosco, nos põem para dormir. Até chamamos esses seres de nomes específicos, compartilhados por todos os que vão falar a minha língua. Aliás, a linguagem é, também, uma profissão de fé. Talvez a maior delas.

Como crer que uma palavra quer dizer o que ela quer dizer, realmente? Borges escreve em vários momentos nessa nossa crença, nessa nossa capacidade aleatória de dar nomes às coisas e acreditarmos nelas. Em seu poema "Do que não sabemos" ele escreve que "A lua ignora que é tranquila e clara / E não pode sequer saber que é lua; / A areia, que é a areia. Não há uma / Coisa que saiba que sua forma é rara. / As peças de marfim são tão alheias / Ao abstrato xadrez como essa mão / Que as rege". Shakespeare também abordou o assunto quando disse que "se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume".

Quando criança, há uma profusão de crenças: em super-heróis, em monstros escondidos, amigos imaginários, personagens inventados. Dizemos que há uma diferença entre a fantasia e a realidade. Mas, na verdade, esse limite não é claro assim. É preciso, ainda, ter fé. E a fé, em toda sua complexidade, é precisa e imprecisa ao mesmo tempo.

Ao crescermos, passamos por uma fase de crença em si mesmo, uma onipotência, que é cada vez mais rara. Em seguida, tornamo-nos mais sérios, menos empolgados, menos crentes. Mais irônicos, mais rabugentos. Adultos, somos uns chatos. Mas, mesmo assim, mesmo sendo os mais práticos, não abandonamos as crenças.

Substituímos essas crenças infantis, que nos davam tanto prazer, por algo que acreditamos maior, ou mais importante. E nos agarramos as fantasias mais à mão. Uns vão ser religiosos e acreditar em um deus criador de tudo e, dependendo da religião, que está lá no céu nos olhando e nos vigiando se preparando para nos dar uma palmada, quando nos encontrar.

Outros são terrenos: acreditam que precisam ser bem-sucedidos. Ganhar muito dinheiro. Fazer sucesso. Outros, que devem se casar, ter filhos, seguir uma tradição que sempre houve. Há ainda os mais modernos que trocam tudo por prazeres mais mundanos: drogas, sexo, etc. Outros ainda que se isolam e procuram esse prazer da fé nos livros, que é um objeto de controle e de autocontrole. E há os perdidos, que vagam em busca de um porto onde jogar a âncora e dizer que acredita cegamente. Mas, mesmo esses, acredito, gostariam de ter um destino, algo por que acreditar.

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