segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Gigante Lincoln

"Lincoln" é um grande filme grande. E, como já ressaltado por críticos de verdade, Spielberg, desta feita, é menos espetaculoso. Parece mais um filme de roteirista, principalmente se pensarmos que Tony Kushner é oriundo do teatro. É um longa mais centrado em diálogos - e que diálogos! -, em discursos, em histórias contadas, não mostradas.



É também uma produção que valoriza o trabalho dos atores, principalmente de Daniel Day-Lewis, que deveria receber um Oscar hors concours, e parar de participar da disputa anualmente. Não lembro de outro ator tão bom que consegue optar tão bem por papéis tão interessantes. Sua encarnação de Lincoln é surpreendente. Além da completa personificação, em certos momentos ele ainda se dá o luxo de demonstrar que ali dentro daquela carne e envergando os ossos que andam com dificuldade, há um ator interpretando. Seu rosto - e a fotografia do filme gostou do estratagema de só mostrar rostos dos atores - é ora de Lincoln, ora de Day-Lewis, ora de um híbrido.

Mas é no roteiro, e nos diálogos, que reside a força dessa história. Fazer a biografia de um personagem tão rico e significativo fornece material para uma longa série ou uma dessas intermináveis novelas americanas. Já fazer um recorte preciso, para um filme, e, ao fim da exibição você não ter vontade de procurar saber mais do retratado, porque as perguntas que você se fez durante o filme foram respondidas, não é nem próximo de uma tarefa simples.

Tudo bem que o filme se vale do fato de ser realmente grande [150 minutos, ou duas horas e meia], mas a escolha do período é significativa: o momento logo após sua reeleição, quando ele decide apostar todo o seu cacife político numa jogada polêmica: a abolição da escravatura. Além disso, acontecia razoavelmente no mesmo período a Guerra Civil americana, que estava em franco declínio, com o Norte claramente vencendo o embate. Já no plano familiar, Lincoln enfrentava a dor da perda de um filho, a ingerência de um outro, além da neurose de sua esposa.

Em vez de apresentar, porém, o presidente dos EUA como um super-homem, o filme o mostra como, além de outras características mais abonadoras, um trapaceiro. Que montou um esquema digno do mensalão para comprar deputados da oposição democrata [isso, ele era republicano e apoiava o fim da escravidão, enquanto os democratas, hoje considerados mais liberais, eram contra a ideia de igualdade entre os homens] para votar a famosa 13ª. emenda da constituição americana.

Além de trapaceiro, Lincoln é um sedutor, excepcional contador de causos e histórias, e um negociador implacável. Outra característica que pode ser vista como familiar a um determinado ex-presidente da nossa República Federativa tem a ver com o seu passado humilde. Mesmo que não mostre a época em que ele convivia com escassez de recurso, tal momento é citado ao menos duas vezes. Diferentemente do nosso ex-guia, todavia, Lincoln estudou e se formou em direito, que ele usava como arma e estratagema para alcançar o seu objetivo maior.

Lincoln também não é mostrado como o único responsável pela aprovação da emenda.

Aliás, antes de prosseguir, é importantíssimo ressaltar que o talvez provável maior mérito de Spielberg seja criar um clima de mistério sobre um assunto que todos, razoavelmente, já sabem como acaba. Voltando.

Lincoln é ajudado por congressistas, ministros, políticos de seu partido e pelos "lobistas" [talvez fosse melhor falar em "operadores"]. Ele próprio também ajuda bastante no propósito: mente, omite, suborna [ou mandar subornar], ameaça [ou manda ameaçar]. Tudo para seguir o seu intuito principal, que é libertar os negros.

Essas fraquezas de espírito, esses aparente defeitos de caráter, porém, têm o efeito inverso do esperado. Engrandecem o personagem principal, que curiosamente logo no início do filme, enquanto conversava despreocupadamente com soldados, brancos e negros, que lutavam na Guerra Civil, é inquirido sobre sua altura.

Ao terminarmos de ver o filme, não temos dúvida, ele era um gigante. Desses poucos que vivem de tempos em tempos. Que se preocupava com o outro, e, se acreditarmos em Kushner e Spielberg, obcecado por acabar com a escravidão.

Sorte a do país que conseguiu ter um homem como esse como presidente, razoavelmente no início de sua história. Um político que tinha ideais, e ideais que se mostraram corretos mesmo anos após a sua morte.

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