domingo, 9 de dezembro de 2012

Quando o capitalismo chegar

Já contei essa história para tanta gente e tantas vezes que é até meio estranho repeti-la aqui, escrevendo. Mas acho que ela é tão exemplar em relação à maneira como ainda não temos capitalismo no Brasil, diferentemente dos países que essas práticas foram estabelecidas há mais tempo, como a Inglaterra, que praticamente as inventou.

E o capitalismo, eu quero deixar bem claro, não é, para mim, o sistema onde simplesmente há iniciativa privada, mas onde a concorrência entre as empresas é tão grande que as que prestam serviços ineficientes ou vendem produtos de má qualidade simplesmente não sobrevivem. É o esquema em que até os mais pobres têm direito a serem atendidos / servidos com dignidade. Se não, por terem o poder de escolher outra marca, de reclamar com um bom órgão regulador, de saber que as suas necessidades não foram atendidas, quem vai pagar a conta é a empresa que não está praticando o capitalismo de maneira correta.

Capitalismo selvagem

Mas falava eu sobre a tal história exemplar. Tentarei resumi-la. Estava eu precisando comprar assadeiras - simples assadeiras - para fazer um tradicional roast inglês em casa. Seriam duas carnes, beef e pork, mais legumes, portanto eu precisaria de três vasilhas dessas. Fui ao supermercado que eu ia sempre quando precisava comprar produtos menos básicos, o Sainsbury's, e tomei um susto quando vi o preço da primeira assadeira que encontrei. Não lembro exatamente os valores, mas era algo como £45. Impraticável, pensei. Como comprar gastar mais de - sei lá - R$ 300 em assadeiras que, provavelmente, usaria poucas vezes mais? Olhei para outra prateleira e encontrei outra de £15. Ainda assim, não era possível. Era uma assadeira bonita, resistente, dura, mas não. Por fim, na última prateleira, numa terceira marca, do próprio supermercado, encontrei assadeiras por £3. Eram nitidamente mais finas, mais maleáveis, mas não me importei. Eram essas. Se fossem descartáveis, por serem tão baratinhas, não haveria problemas.

Qual foi a minha surpresa quando as assadeiras, mesmo que extremamente baratas, me serviram muito bem, e não somente naquele dia, mas durante todo o restante da minha estadia? Pensei que, mesmo pago a mais barata, estava sendo tratado com dignidade. Parece óbvio, mas no Brasil não é assim que se trata. Não é porque você é pobre, ou tem pouco dinheiro, ou pede o  produto mais barato que você deve ser visto como diferente.

Pense em um serviço, produto, indústria, e, logo em seguida, tente se lembrar: qual deles consegue sobreviver a um teste mais exigente? Transporte público, ônibus, metrô, trem! O trem, minha gente! Bancos, cartão de crédito! Telefonia, internet! OK, peguei pesado, peguei logo os campeões de reclamações. Mas vamos mudar de foco. Restaurantes, por exemplo. Qual é o restaurante que te atende bem e te cobra um preço justo? Qual é o lugar que, ao sair, você pensa: me senti bem tratado e não assaltado? Peça uma pizza em casa, um japonês. Quando foi a última vez que eles entregaram na hora combinada? E quando foi que a comida era incrível? Vamos sair dos serviços porque pode ser que o problema seja de ramo de atividade.

Indústria. Qual é a indústria que realmente trata os consumidores de maneira igual, independentemente da faixa de preço praticada? Não com produtos iguais, porque não é esse o ponto, mas com o mais baratinho sendo ainda algo digno, algo que você compraria em um momento de vacas magras. Pense nos produtos mais básicos. Papel higiênico. Sabonete. Feijão. Cerveja. Cerveja, então, nem se fale. Café, igualmente. Parece que servem com serragem. Isso sem falar nos produtos que são importados, mas que não deveriam, como o meu exemplo mais recente, iogurte. Ou algo ainda mais cotidiano, como legumes. Alguém tem coragem de comprar os legumes do Mundial, por exemplo?

Entramos já no Comércio. Já repararam nas letras pequenininhas dos comerciais das grandes lojas de varejo? Aquelas são as condições das promoções apresentadas. E, bem, ter ou não ter aquelas letras, para mim, é indiferente. Não temos qualquer informação sobre o que podemos ou não fazer. Ou já tentou devolver um produto qualquer após o prazo, ou sem a notinha? [Claro que, nesse caso, é uma maneira do comércio se precaver contra o consumidor-espertinho que tenta usar as brechas desse nosso sistema pré-capitalista.] Impraticável.

A verdade é que ainda vivemos em um sistema próximo do feudal, quando o assunto é práticas comerciais. Poucas empresas vendem poucos produtos e nós, por falta de opção, somos obrigados a consumir o menos pior, achando que estamos fazendo um ótimo serviço. Daqui a pouco e com o andar da carruagem, não me espantaria se voltássemos a fazer escambo.

Nenhum comentário: