sábado, 29 de dezembro de 2012

O fim do progresso como fim

A felicidade não é nem mensurável, nem sempre desejável. Deve-se estar feliz quando e onde a felicidade é devida e infeliz quando as circunstâncias assim exigem. Fazer da felicidade um objetivo em si, especialmente um objetivo de governo, é a receita para a infantilização autoritária, memoravelmente descrita por Aldous Huxley em "O Admirável Mundo Novo", ou na versão futurista mais recente do filme "Matrix". Ou bem a felicidade é entendida no seu sentido pré-moderno, como uma condição existencial - e neste caso não é passível de ser medida por pesquisas - ou então é entendida no seu sentido moderno, de um estado de espírito circunstancial - e então não pode ser referência do desejável. Os Skidelskys sustentam que substituir a busca do crescimento pela busca da felicidade é passar de um falso ídolo a outro. Nosso objetivo, como pessoa e como cidadão, não é o de ser feliz, mas o de estar feliz quando há razão para estar feliz. E motivo para tristeza nunca há de faltar. É a arrogância do homem moderno que o faz crer que pode tudo controlar. Mais sábios, os clássicos subscreviam o ditado de Solon: "Ninguém pode ser considerado feliz até depois de sua morte".
O texto do André Lara Resende no "Valor" é extremamente interessante para se pensar que talvez não devemos pensar em sermos mais ricos, crescermos mais, comprar mais, ser mais. Ou, ao menos, não deveríamos tentar ser mais, sem pensarmos, refletirmos, ter uma convicção, mesmo que fraca, sobre se é isso mesmo que queremos. Abaixo alguns pensamentos que me ocorreram ao longo da leitura, à medida que lia.

- No início, o economês atrapalha muito a leitura. Além disso, achei curioso o André Lara Resende, que, se eu não me engano, foi ligado ao governo tucano, ser o autor desse texto, antiprogresso, ou contra a ideia de que o progresso é o caminho natural das coisas. Suspeito que pensar em progresso de forma matemática é não considerar o fator mais importante da vida humana: o aleatório. Não vejo o pessoal tucano com essa posição mais relaxada ante o inevitável.

- O artigo também me lembrou a época que eu trabalhava na Johnson e tentava discutir com as pessoas de que não deveríamos sempre pensar que iríamos crescer, ano a ano, porque o mundo não era infinito. havia uma sentimento de competição praticamente inútil, na minha opinião. o crescer pelo crescer, parecido com o comprar pelo comprar, sem qualquer reflexão sobre se é aquilo mesmo que queremos fazer. autômatos, querem nos transformar em autômatos.

- Claro, há uma crítica velada ao governo atual quando ele diz que "Infelizmente, numa atitude míope, em vez de aumentar a taxa de poupança e de investimentos públicos, optou-se por aumentar os gastos correntes do governo, por dar estímulos ao consumo privado, toda vez que o crescimento de curto prazo dava sinais de perder o fôlego." Tenho um pouco de problema com quem diz que sabe resolver o problema. principalmente se esse alguém já teve poder para resolver o problema - e não o fez.

- Ele também é bastante repetitivo, não? A ideia de que "O crescimento dos últimos séculos pode ter sido uma exceção" é repetida algumas vezes. acho que faltou o editor aí. :-)

- "No mundo contemporâneo, independentemente do nível de renda e riqueza, nunca se considerou tão fundamental trabalhar, nunca se considerou tão humilhante a ideia de não trabalhar e ..." - Não é estranho isso, isso da sociedade ainda achar que o "trabalho dignifica o homem"? Essa ideia aparece como imperativa, uma obrigação, não acha? Suspeito que as pessoas têm medo de ficar sem fazer nada, consigo mesmas. E logo vejo que o texto vai para esse lado também. Olhaí.

- Concordo muito com essa discussão - e com essa entonação do artigo - do utilitarismo x ética.

- Agora, acho que entendemos [eu e o autor do texto] a ética de maneira diferente [e essa diferença é mais comum do que eu imaginava]. Para mim, ética é pessoal e intransferível; a moral é "coletiva", do tempo histórico.

- "Não nos basta ser apenas ricos, mas, sim, mais ricos do que nossos pares." - ou seja, o cerumano é um bicho invejoso. :-)

- No fim, gostei do artigo, mas acho que faltou uma interpretação mais... pessoal. Naquele "Entreatos", o filme do JM Salles sobre a eleição do Lula em 2002, há uma cena logo no início que me fez ver como, apesar de todos os pesares, o Lula era uma versão aprimorada do FHC. Em uma entrevista, durante a ida ao barbeiro, Lula diz que seus ministros devem sempre lembrar que o país, e a sua economia, são feitos por pessoas. tratá-los como argumentos filosóficos ou números cria um abismo enorme entre a boa intenção teórica e o cotidiano de monte de gente. como se diz, a teoria na prática é outra.

Mas, sim, sim, acho que vivemos um tempo em que somos completamente fascinados pelo curto prazo - e isso não só no âmbito da economia. poderia passar um tempo falando sobre isso, mas prefiro não alongar ainda mais esse texto. Só suspeito que Nietzsche, que também foi a favor do viver intensamente o agora, hoje em dia seria favorável à temperança.

2 comentários:

DM disse...

"Não é estranho isso, isso da sociedade ainda achar que o "trabalho dignifica o homem"? Essa ideia aparece como imperativa, uma obrigação, não acha?"

Não deixa de ser uma forma de controle. O Trabalho cria a rotina, e a rotina é fácil de prever, fácil de controlar. É interessante pra governos, religiões e todo tipo de grandes "corporações" que essa visão se perpetue.



"Suspeito que as pessoas têm medo de ficar sem fazer nada, consigo mesmas."

Já pensei bastante sobre isso... Vejo isso acontecer com pessoas que tem certa condição e já poderiam estar aposentadas, mas não o fazem, seja por medo de sairem de suas rotinas de trabalho, seja por medo de ficarem sem fazer nada.

Eu não consigo conceber isso. O que faz um ser humano quando todas as suas necessidades básicas estão supridas? Olha pra cima! Olha pra fora! Como pode "não ter o que fazer"? Isso faz pensar se realmente não é o medo de ficarem consigo mesmas...

CNC disse...

Não há aquela famosa frase [Sartre?] que diz que a liberdade era o maior peso que existe?

Se você não tem os mecanismos para te cercear, então você pode fazer tudo, então... Deus não existe. Isso é lá do Dostoiévski, né?

Deus, claro, como sinônimo de uma moral supra-humana, onde há certos e errados para todas as pessoas. O que, bem, seria ainda mais problemático, caso existisse.

Abraços