sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Tráfico de escravos no Brasil


Há cartas e mais cartas na British Library, além de inúmeros relatórios que detalham as apreensões de barcos brasileiros por embarcações britânicas, demonstrando a relação intrusiva da Grã-Bretanha na soberania brasileira, por um lado, e escondendo a tragédia da escravidão, e dos interesses não revelados, por outro.

Os barcos tem nomes quase irônicos, em se tratando de navios de tráfico de escravo, como Activo, Perpétuo defensor, Heroina ou Venturoso. Outros têm nomes mais sugestivos, como “Eclipse”. Há ainda nomes quase cristãos, como Tentadora.

Um exemplo é a carta do comandante do barco Grecian, William Smyth, um dos mais ativos. Ele diz ter detido a escuna Recuperador no dia 28 de maio de 1839, a sudoeste de Cabo Frio, que navegava com bandeira portuguesa e três armas. Seu comandante, Sebastião da Fonseca, declarou que eles estavam indo do Rio de Janeiro para Angola e Benguela. Embora não levasse qualquer escravo, Smyth concluiu que o barco traria negros da África. E lista provas que respaldam seu argumento: ferros para a segurança de escravos. Escotilhas maiores que um barco daquele tamanho precisaria, e pronto para ser anexado de barra de ferros, como as usadas para prender escravos. Farinha – escrito assim mesmo – e arroz em maiores quantidades do que poderia ser consumido pelos 17 tripulantes e dois passageiros, e que não eram mencionadas como parte da carga. Pólvora. Caixas de mosquetes. Ferramentas de cobre. Remédios. Tubos. Bombas de mão. Madeira. E uma outra série de objetos. Por fim, o comandante Smyth afirma que pareceu a ele “expressamente e o mais efetivamente e completamente” [os itálicos são originais] que eles estão equipados para o tráfico de escravos.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Since always


“[....] It will not be disputed that the dearest interest of Great Britain are those which relate to her commerce and navigation. Bonaparte aware of this is in directing [?] at his effort against theses sources of our greatness. He has succeeded in shutting port after port in Europe against us; and already our manufactures feel the effects of his perseverance. It has become, therefore, necessary for us to seek another xxx; and to open to ourselves a new channel of trade.

We need only look to South America for the attainment of these objects. [...]”

sábado, 18 de agosto de 2012

Filosofia do dinheiro

A empresa americana LineStanding.com apresenta-se como líder “em ajudá-lo contra a multidão”. Por meio dela, lobistas pagam para que alguém fique na fila de audiências no Congresso, ajudando-os a passar à frente de, por exemplo, representantes comunitários. É também por dinheiro que se tenta despertar o gosto pela leitura em crianças de várias escolas americanas: elas recebem US$ 2 por cada livro lido. Viciadas em drogas recebem para ligar as trompas, assim como obesos ganham dinheiro para emagrecer e tabagistas para parar de fumar. Compram-se óvulos, aluga-se um útero (mais barato na Índia do que nos EUA), vende-se sangue.
Assustador o primeiro parágrafo da entrevista com o filósofo Michael J. Sandel, feita por Mariana Timóteo, no Prosa, para divulgar o seu novo livro “O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado”.

New Zadie Smith

NW by Zadie Smith, because this isn't a place where you offer tea for a stranger – extract http://gu.com/p/39nz6

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Banksy e a arte que veio das ruas

"Tourists don't come to London for shining perfection. They come for old and new in chaotic ungainly juxtaposition. And they come, partly, for Banksy. The prince of street art is our most famous contemporary artist, however much the moneyed art world would like to believe otherwise. Banksy postcards and canvas Banksy reproductions sell alongside royal memorabilia in London – west country man as he may be. So how is the Olympics benefiting London by enforcing a clean-up of its most globally recognised art movement?" - Daqui.
Antes das Olimpíadas, a polícia fez uma operação para “limpar” as ruas dos grafiteiros. Prendeu dezenas de artistas e os impediu de carregar latinhas de tinta ou mesmo andar em transporte público. Banksy passou incólume.

"Going for mould"
 Em “Banksy, the man behind the wall”, uma das biografias lançadas em 2012, o jornalista Will Ellsworth-Jones lembra que ele tem um tratamento diferenciado por parte das autoridades. Em Bristol, há uma consulta pública para saber se suas obras ficam nas paredes ou não. Em Londres, há a tentativa de proteger seus estêncis, da fúria do “Robbo team”, um grupo que tenta destruir todos os Banksy daqui. Eles continuam a se vingar de um ataque perpetrado pelo Banksy que fez uma piada por cima de uma obra de 25 anos de Robbo, um dos mais respeitados grafiteiros da capital. São raros os estêncis de Banksy que sobreviveram. E ainda mais raros os que não foram danificados.

É bom levar em conta, porém, que o fato de o grafite ser condenável pela grande maioria das pessoas – e aparentemente não há diferença, aqui, entre grafite e pichação, ou, como os brasileiros gostam de falar “xarpi” – agrada aos artistas do aerosol. Há uma parte intrinsecamente anarquista no ato de borrifar tinta em uma parede qualquer, uma tentativa de ir sempre contra a ordem, mesmo que a conta-gotas. Banksy tentou manter essa postura em seu trabalho, talvez não tão caótica quanto, já que é mais “funcional”, mais organizada. Para os grafiteiros foi exatamente essa “comunicação” que o excluiu.

Em seu livro mais famoso, “Wall and piece”, de 2005, Banksy reproduz um e-mail, quase orgulhoso, mostrando como ele pode ser um dos responsáveis pela valorização da então pobre região de Hackney: “Seus grafites são sem dúvida parte do que faz esses babacas [numa tradução leve] achar que nossa área é cool”, escreve “Daniel”, “Faça-nos um favor e vá fazer suas coisas em algum outro lugar, como Brixton”.

"Hackney welcomes the Olympics"
Apesar de ter suas obras vendidas em leilões que arrecadam centenas de millhares de libras, ele é igualmente mal-visto no exclusivo mundo das artes.

Como todos Banksy típicos, as duas peças que ele fez para as Olimpíadas - confira-as ao longo do texto - levam uma cena do cotidiano para um cenário exótico. A mensagem é simples, pode ser decodificada por todo mundo. E, mais do que isso, tem a aprovação do público, que balança a cabeça afirmativamente com as citações ao pacifismo e contra a pobreza. Há um humor irônico apelando à inteligência do espectador que ao matar a charada se sente parte integrante do grupo que critica o comportamento em geral da sociedade. Independentemente das suas qualidades, quase faz bem ao ego gostar de Banksy.

Essa facilidade, essa ironia aguada se torna bem mais aguda em seu documentário “Exit through a gift shop”. O longa, que foi indicado ao Oscar da categoria, sobre o mercado de arte atual deve ter sido mal-compreendido por muita gente. Inclusive pelo personagem principal, Thierry Guetta, que se transformou no“artista” Mr. Brainwash durante a sua produção.

O artista de Bristol tem o costume de se posicionar mais ao lado dos pichadores que dos “endinheirados das artes”. Se é genuíno ou mais uma de suas peças de autopromoção, é outro dos mistérios de Banksy.

“Eu não estou tão interessado em convencer as pessoas no mundo da arte que o que eu faço é 'arte'. Estou mais incomodado em convencer as pessoas da comunidade do grafite que o que eu faço é realmente vandalismo”, ele já declarou.

Escrevi também sobre Banksy, mas sobre outro aspecto, na coluna d'"O Globo" desta semana.

Culture x science

If Homer and Aeschylus had not existed, if Dante and Shakespeare had not written a line, if Bach and Beethoven had been silent, the daily life of most people in the present day would have been much what it is. But if Pythagoras and Galileo and James Watt had not existed, the daily life, not only of Western Europeans and Americans but of Indian, Russian and Chinese peasants, would be profoundly different from what it is.
- Bertrand Russell, on receiving the Kalinga Prize for the Popularization of Science, at UNESCO Headquarters on 28 January 1958.
Well. Kinda.

domingo, 5 de agosto de 2012

Mau início nas Olimpíadas?

De todas as matérias que eu leio na época das Olimpíadas, a que mais me irrita - cobertura de olimpíadas é a única que me irrita, porque é recheada de erros diversos, dos bobos nos resultados, até os graves de interpretação - a que mais me incomoda, é sempre a famosa matéria do meio das Olimpíadas, que diz que o Brasil começou mal. Também desgosto de ouvir esse tipo de comentário feito no dia-a-dia, mas geralmente quem fala sobre isso na vida civil não tem qualquer obrigação de saber do que está falando: é um papo-furado, como outro qualquer. Já o jornalista está passando uma informação errada.

A primeira pergunta que me vem à cabeça ao ler esse tipo de matéria é: Má semana... em comparação ao que, ou a quem? A outros países? Que países? Seria justo comparar o Brasil com que país? Ou má semana em comparação à nossa participação em outras edições? Bem, esse critério seria mais justo. Mas, então, em que ano o Brasil começou melhor? Procuro na matéria e, bem, não acho.

Em outra matéria, tentando elogiar as olimpíadas, é o inverso, é o melhor início das últimas duas edições. Por que essas duas edições apenas? Também é melhor que a participação em Sidney, em termos qualitativos, já que lá não levamos qualquer ouro. E também em 1996, cujas medalhas de ouro saíram depois da primeira semana. Já em 1992, nossa medalha de ouro no judô só era acompanhada pela prata de Gustavo Borges na primeira semana, o que é "menor" que a participação que a atual geração. Em 1988, também havia um ouro no judô, mas nada mais. Em 1984, só ganhamos o nosso único ouro, com Joaquim Cruz, na segunda semana. Em 1980, com boicote americano, que nos ajuda, nossas medalhas de ouro saíram para a vela [na virada da primeira para segunda semana]. Antes disso, só encontramos outro ouro em nosso histórico com Adhemar Ferreira da Silva, que competia pelo bicampeonato, em 1956. E antes de Adhemar, só na estreia do Brasil nas Olimpíadas, na Antuérpia, em 1920, com Guilherme Paraense, no tiro.

Ou seja, é provável nossa melhor primeira semana de todos os tempos. O que, claro, não quer dizer absolutamente nada, se vamos levar em consideração a nossa posição no quadro de medalhas. Se isso realmente importar - já que é uma avaliação, como disse acima, qualitativa, o que faz com que, levando em conta esse critério, a nossa posição em Sidney tenha sido baixa, quando na verdade tivemos a segunda maior quantidade de medalhas da história, até então, - então seria melhor esperar o fim dos Jogos.

Tradicionalmente recebemos mais medalhas nessa segunda semana. Com a exceção da natação e do judô, nossos esportes olímpicos, as modalidades em que já ganhamos alguma medalha, tipo vela, hipismo, vôlei, futebol, todas saem normalmente na segunda semana.

Basta ver nosso histórico. Basta olhar para os nossos atletas. Basta conferir o calendário de disputas. Todos os critérios levam para esse entendimento. Na Olimpíada, o ditado de "só acaba quando termina" é até estendido, já que há casos de doping que são julgados após os jogos, o que dão um upgrade na nossa participação. Nem imagino que as pessoas se lembrem do caso de Rodrigo Pessoa, em Atenas, porque seria pedir demais, mas de Ben Johnson [hum, as pessoas se lembram dele ainda?].

Pensar o oposto é tentar menosprezar o que fizemos até agora, que não vale como elogio para as decepções. Decepção acontece, mas não interfere nos resultados finais. Estão incluídas no pacote. Faz parte do jogo, da competição. Pensar que começamos mal é falta de conhecimento e apuração, o que é um erro em se tratando da pessoa que passa as informações.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A final dos 50 livre

O que aprendemos nesta semana - principalmente nesta sexta-feira - nas Olimpíadas?

- Que a natação se modificou bastante na era pós-maiôs.

Vai começar a bagunça...

- Que quando você vai ao Parque Aquático, você vai ver Phelps ganhar algo.

- Que ninguém fica em pé, mesmo na final dos 50m livre.

E às vezes era bem difícil enxergar alguma coisa.
- Que o hino dos EUA enjoa. Que o hino da França é mais legal.

- Que os ingleses ficam muito felizes mesmo quando uma favorita ganha bronze - e a nadadora chora de emoção no pódio com a ovação.

- Que adolescentes de 15, 16 e 17 anos estão se tornando campeãs olímpicas na natação.

- Que nós ficamos mal acostumados sendo campeões olímpicos.

Se não reconhecer esse perfil sério, olhe ali no placar eletrônico

- Que é praticamente impossível assistir às provas de natação num lugar em frente ao poço de saltos.

- Que não é só no futebol que a França estraga os nossos prazeres. [Talvez devêssemos ressuscitar o Gustavo França Borges.]

O que será que ele falou ali?

- Que Cielo chora, mesmo em terceiro lugar. Talvez por outros motivos.

- Que quando um dirigente brasileiro aparece para entregar as medalhas, o brasileiro na prova decepciona.

Um dos maiores medalhistas olímpicos brasileiros
- Que nenhuma competição se ganha de véspera. Que favorito não serve de nada absolutamente nada. Que ser líder do ranking não modifica o resultado final. Que treinar muito é essencial. Que treinar muito não é tudo.

Ficamos atrás e cabisbaixos.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Momento olímpico, in loco

É uma baleia. Das grandes, com mais de 50 metros de comprimento. Moby Dick ficaria pequena, envergonhada. A barriga, com listras, estrias, meridianos que cobrem todo o corpo e um movimento como se fosse subir para tomar ar. Igual aos nadadores. O parque aquático das Olimpíadas de 2012 é uma baleia.
Do lado de fora, parece um parque normal...

... aqui você vê o rabo da baleia...
... e aqui, a barriga.

A noite começou auspiciosa. Cielo foi o primeiro brasileiro a cair n'água. Fez o melhor tempo da série, empatando com um americano. Sugeri mentalmente para os meus vizinhos húngaros repetir a façanha nos 200 medley. Sugeri em português mesmo. Eles pareceram aceitar. Ao menos não disseram nada, nada que eu entendesse. Talvez tenha faltado combinar melhor com o adversário.

Ou talvez tenha faltado treinar melhor esse empate. Não é tão fácil assim bater tão junto. Veja o Phelps, por exemplo, um dos que mais nadou nas últimas olimpíadas. Nunca conseguiu. Já ganhou de um centésimo e já perdeu de cinco. Jamais empatou.

Thiago Pereira até se esforçou para cumprir a sua parte. Apesar de ter passado bastante na frente, esperou ele ao fim, para que os dois batessem juntos, repetindo a tática de sempre, que vemos desde Atenas 2004. Como se diz déjà vu em húngaro?

O húngaro bateu na frente. Por dois centésimos. Não conseguiu cumprir sua parte no trato e acabou sendo recompensado com a medalha de bronze. Tinha ficado fora por uma bobeira no 400m medley. E o Thiago, nadando sozinho, ganhou a prata. [Talvez devêssemos vendá-lo.]

Acho que vocês conhecem esse moço da foto
No 200 medley, Thiago entortou aquela manchete famosa: nadou como sempre, perdeu como sempre.

Colé, Mike, Ry, tranqs? Laszlo, vou te ignorar, não sabe brincar...
Quem venceu? Phelps, ora. Mais isso já não devia ser mais notícia.

Amanhã, com os 100m borboleta, tem mais para ele. E, com os 50m livre, para a gente.

E lá vamos nós de novo...

Saúde na abertura

Caiu muita coisa do céu no espetáculo de inauguração das Olimpíadas de Londres: as argolas olímpicas incandescentes, várias Mary Poppins — e a rainha, de paraquedas. Está certo, não era a rainha e sim um fac-símile razoável, mas Elizabeth se prestou a participar da encenação e só cedeu seu papel a um dublê na hora do salto, apesar da insistência do príncipe Charles para que ela mesma se atirasse. 
Tinha me esquecido como Verissimo é engraçado. Na coluna dele, ele levantou uma questão que eu não tinha entendido direito, também. Por que a NHS foi retratada com um ato inteiro na cerimônia?

O jornalista Ian Birrell disse em um artigo do "Evening Standard" [vespertino gratuito que apoia os conservadores] que esse ato [duplo sentindo, por favor] vai impedir qualquer mudança no serviço de saúde do país. Infelizmente, na opinião dele. O ex-escritor dos discursos do atual primeiro-ministro David Cameron lembra em seu texto que o "amado" National Health Service foi instituído pós-segunda guerra "focando na luta contra a mortalidade infantil, doenças infecciosas e acidentes de trabalho", mas que agora precisaria de uma "cirurgia" para os tempos modernos. Birrell ainda afirma que, com a homenagem de Danny Boyle, o organizador da celebração, nenhum governo teria agora coragem para fazer essa reforma, na opinião dele, tão necessária.

Voltando a Verissimo, o nosso escritor afirma que "como medida de austeridade para enfrentar a crise, o governo Cameron está cortando benefícios sociais com um entusiasmo inédito desde os tempos da sra. Thatcher e sua machadinha impiedosa". E arremata, com uma interpretação que faz bastante sentido: "O show das enfermeiras dançantes e das crianças bem tratadas foi para lembrar que o National Health Service é uma instituição inglesa tão digna de ser celebrada quanto as outras — e quem se atrever a mudá-la terá que se entender com a Mary Poppins".

Decepção olímpica

Ontem, fiquei decepcionado com o resultado do César Cielo na final dos 100m livre. Talvez não devesse, talvez não tenha nada a ver comigo, e eu não tenha esse direito. Mas fiquei. E não tenho como esconder isso. Decepção parecida igual a quando o Fluminense caiu para a segunda divisão.

Não foi porque ele ficou longe do pódio - isso é parte consequência de outros fatores e parte sorte. Mas porque achei que ele fez menos que ele poderia fazer. O mesmo sentimento eu teria, e até mais, se fosse australiano e visse o Magnussen perder para o americano Nathan Adrian, e principalmente para ele mesmo. Magnum fez um tempo muito pior que o que ele próprio tinha feito nas eliminatórias australianas. Se repetisse, teria uma medalha dourada no peito, não uma prateada. Quando marcou o 47.1, se gabou que não tinha para ninguém. Seria campeão olímpico. Adrian, com toda a justiça e com a sorte de quem não se importa com os adversários, se tornou o primeiro americano a ganhar a prova nobre da natação desde Matt Biondi, em 1988. O um centésimo de diferença tem sozinho história na natação - que remete, inclusive e também, a Biondi.

Natação, diferentemente do que pensam alguns nadadores, não é boxe. Você não compete contra ninguém, mas com alguém, e esse alguém é, tão só e apenas, você. Se você perder para si mesmo, é um derrotado. O único derrotado que pode existir, aliás. A medalha de prata não é humilhante quando você melhora o seu tempo. É uma superação pessoal. É fazer mais do que você fazia. É se tornar maior, melhor, mais rápido. Não é para isso que existe a Olimpíada? Já o ouro pode não ter gosto de vitória quando você piora.

Na prova de ontem, César Cielo piorou um segundo do seu recorde mundial, batido logo após as olimpíadas de Pequim, no mundial de Roma. Um segundo e um centésimo, para ser exato. Lá, ainda com maiôs tecnológicos, ele foi imbatível. Desde então, com mais fama, passou por momentos delicados. Trocou de técnico após o fracasso no Pan-Pacífico. Foi pego num exame anti-doping, e absolvido em seguida, o que foi criticado por alguns adversários [o que é normal]. Ficou novamente fora do pódio nos 100m no mundial seguinte, em Xangai. Jamais voltou a nadar na casa dos 47'. Nadou ontem, mas não foi o suficiente para repetir o bronze de quatro anos atrás.

O que me surpreende é essa piora. O que levou ele não conseguir repetir um tempo ótimo desde então? A resposta mais óbvia é o fim do maiô. Mas será que a vestimenta era responsável por um ganho tão grande assim? Outros resultados de outros atletas não mostram isso. Será que o maiô ajudava mais ao Cielo que a outros nadadores? Por quê?

Uma outra especulação é que o Cielo focou nas provas de 50m. É esse caminho que me deixa mais decepcionado. Não que ele não vá ganhar. Como disse a um amigo, acredito tanto na vitória dele nos 50m, que sugiro enviar a medalha pelo correio. Mas acho um atleta especialista em 50m tão limitado, que não consigo esconder a minha insatisfação. Os 50m são um prova de extrema força e agilidade. Vários esportes são baseados apenas nisso. O próprio lema olímpico, como citei acima, fala sobre isso. Além disso, a medalha dos 50m é tão importante quanto outra qualquer. Mas vejo a natação de maneira diferente - e talvez seja minha culpa, mesmo.

Além dos 50m, qualquer prova é divida entre a força e a resistência. Mesmo os 100m livre, ou outro 100m qualquer. Há sempre uma volta, uma segunda parte que se entrelaça com a primeira. É como se a primeira metade fosse relativa à natureza do atleta, ser explosivo e rápido, e a segunda, com a vontade dele, com o que ele se esforçou durante anos e anos para construir. É o treino, às 6 da manhã, numa segunda-feira fria, depois de um fim de semana de competição. É aquela série que antes de começar você acha que nunca vai conseguir fazer, durante você acha que ela jamais vai acabar, e depois, dá um sentimento de orgulho só por ter completado. É o momento que dói tudo, que o braço encurta, que a respiração fica ofegante e ainda falta muito, muito para terminar. É o tiro que te dá pouquíssimo descanso, para simular a situação de competição, mas que vem junto com um cansaço infinito. É o sentimento de você ultrapassou a si mesmo, diariamente, durante um tempo, e que no dia da prova, você vai nadar mesmo sem querer.

É a velha divisão: uma parte seria o genótipo, a outra, o fenótipo. Ninguém conseguiria ser como Phelps sem ter a sua altura e envergadura, o seu tronco avantajado, mas principalmente sem a sua flexibilidade. Ninguém faria como Phelps se não treinasse como ele. A natação não é, claro, o único esporte a demonstrar bem esses dois lados, mas consegue fazer uma metáfora na própria prova disputada. As metades, em que cada lado mostra quem é você.

Os 50m... Bem, os 50m são só metade da prova. É a versão nadadora daquela música cantada por Tom Cavalcante em homenagem ao Romário: "treinar para que, se eu já sei  o que fazer".

Minhas esperanças foram reacendidas com o Thiago Pereira, entretanto, que está fazendo provas bem mais inteligentes que ele jamais fez na vida. Ontem, após a semi dos 200 medley, ele ainda deu uma declaração que me deu ainda mais confiança, mas confiança do tipo que jamais vai ser perdida com decepção. Ele afirmou que vai fazer o seu melhor na final, hoje, e espera que o seu melhor seja o suficiente para ganhar uma medalha. Não espero nada diferente disso. É simples.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Phelps, o maior

E o que dizer desse rapaz, Michael Fred Phelps II? Talvez, apenas, que é o maior atleta de todos os tempos. Imagine um recorde, uma marca? Ele, agora, é o detentor. Maior número de medalhas em uma única edição das Olimpíadas? Sim. Maior número de medalhas em todas as edições? Sim. Maior número de ouros? Sim.

Você pode ainda pensar: ele pode ter tido a sorte de nascer numa geração fraca? Como resposta, diria que na última olimpíada, ele bateu sete recordes mundiais, das oito medalhas de ouro que ele ganhou. Na oitava, bateu o recorde olímpico. O mundial, ele bateu um ano depois. Além disso, não é sempre que ele pode competir com um sujeito tipo Ryan Lochte, outro nadador fora-de-série.

Essa não é a olimpíada de Phelps. A grande, a que ele entrou para a história, foi a anterior. Esta é a sua quarta participação, onde ele apenas está recebendo os louros, só recebendo os parabéns. Em Sidney, ele competiu como o mais novo recordista mundial da história da natação - recordes são a sua marca registrada. Talvez nervoso, ficou em sexto, na sua prova maior, o 200m borboleta, aquela que só quem treina muito, mas muito mesmo, se destaca. Aliás, como são os 400m medley, outra que ele também é destaque. Em Atenas, ganhou seis ouros e dois bronzes - faltou o ingrediente da sorte, necessário a qualquer pessoa e muito mais a um atleta. Pequim foi a consagração. Nada, nadinha, deu errado. Quando você imaginava que ele ia perder, algo acontecia e tudo mudava, e ele ganhava. E batia outro recorde.

Em Londres, ele encerra a carreira. Nunca mais vai competir. Está só se divertindo, como ele bem colocou na entrevista coletiva, antes da competição começar. Não precisa ir ao Rio. Não precisa mostrar mais nada, seu nome será lembrado para sempre. Ainda bem que eu vou vê-lo ao vivo, amanhã.

ps. Essa olimpíada marca o fim da geração Phelps, a que veio depois de Hoogenband, que, por sua vez, veio depois da de Popov. Kitajima, Pellegrini, Coventry, Rice, todos não foram bem em suas respectivas provas. Começou a geração de Missy Franklin, Ye Shiwen, Ruta Meilutyte. Como ela vai se chamar? 

César Cielo e os 100m livre

Não sei qual é a tática do César Cielo para os 100m livre, mas se a declaração que eu li ontem dizendo que ele deixar de forçar tudo nessa prova para priorizar os 50m livre for isenta de malícia, eu acho que ele perde ambas.

Já se for com malícia... está surtindo efeito. É muito curioso o atual recordista mundial da prova ser tratado como azarão. É, de certa forma, uma vantagem. Você saber que é bom, e ninguém reparar em você. Estar com o quinto tempo, na raia dois, e passar quase despercebido. Ter ganho medalha na prova nas últimas três competições importantes [olimpíada e mundiais em piscina longa]* e só citarem o Magnum, o Agnel, e o americano. Ser chamado de "Tchielo", quando apresentado, e completamente ignorado pelos comentaristas.

Não o conheço, nunca conversei com ele, não posso dar uma opinião com o meu ponto-de-vista, como "fonte direta". Mas pelo o que eu acompanho das entrevistas dele, e sobre ele, desde antes do Pan de 2007,  Cielo sempre me pareceu um menino que se empolga e desempolga muito rapidamente. Muda de opinião com facilidade. Lembro que uma das primeiras declarações pós-medalha de ouro nos 50m livre em Pequim 2008, era reclamando do Coaracy, eterno presidente da confederação de esportes aquáticos, e afirmando que ele, Cielo, não recebia a grana combinada no patrocínio há muito tempo. Após uma conversa de bastidores, ele veio a público dizer que não era nada bem isso, ele quem tinha se confundido, e que ele e Coaracy eram amigos de infância.

Outro exemplo: teve resultados aquém dos esperados no Pan-Pacífico, se separou do treinador Brett Hawke, que o tinha transformado no campeão olímpico. Recentemente, em uma boa entrevista para o Globoesporte.com, Hawke falou sobre outra oportunidade em que "Tchielo" mudou de temperamento como quem trocou de sunga:
Naquela manhã de agosto, em Pequim, há quatro anos, Cesar Cielo acordou descrente. Faltavam poucas horas para a final dos 100m livre, mas aquela raia 8 incomodava. Nadar no canto da piscina, com sete adversários nadando mais rápido do que ele, foi demais para a cabeça do jovem calouro. Foi preciso ouvir palavras duras de Brett Hawke, seu treinador na ocasião, para entender que estava tão ou mais veloz do que os outros, que estava tão ou mais bem preparado do que eles para ganhar um medalha.
Nesse momento, só espero que alguém chegue para ele e diga: "Seje um sujeito hômi!" Porque a pior derrota é aquela que acontece antes de cair na água.

* ele ficou em quarto no último mundial, em 2011.