segunda-feira, 9 de abril de 2012

O encontro

[da coluna do Verissimo nos jornais brasileiros, neste domingo, 8/04/2012]

Um homem livra-se de todos os seus bens materiais, abandona a família e vai viver no deserto. Leva o suficiente para sobreviver no deserto durante um ano. Não fazendo nada, só olhando o sol de dia e as estrelas à noite. Quer se encontrar com Deus e não quer nada à sua volta. Nada que distraia sua atenção, nada que confunda sua visão no caso de Deus aparecer. E o deserto é nada para todos os lados. Nada de horizonte a horizonte.

Mas de tanto olhar o sol e examinar os horizontes esperando ver Deus, o homem fica cego. É socorrido e levado para um hospital numa cidade grande, e, incapaz de ver o que o cerca e distinguir o sono da escuridão da cegueira, mergulha em si mesmo - e encontra Deus, que o recebe com um "alô" amistoso.

- Eu queria muito encontrá-lo - diz o homem.

- Eu sei, eu sei.

- Fui procurá-lo no deserto, despojado de tudo, livre da civilização...

- Pois é, foi no lugar errado. Acontece muito. Eu estava aqui todo este tempo.

- Esperei você em vão.

- Para dizer a verdade, não gosto muito de lugares ermos. A gente começa a pensar demais, a se autoquestionar... E a solidão? Prefiro lugares onde há gente e movimento. Bom é civilização.

- Mas ninguém se lembra de procurar você dentro de si.

- Pois é. Querem espetáculo. Visões no deserto. Epifanias. Conversões cinematográficas. Não é o meu estilo.

- Mas...

- Vê se dorme um pouco. Amanhã a gente conversa. Agora você sabe onde me encontrar.

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