sábado, 28 de abril de 2012

Filosofia na América Latina?

O desafio na América Latina é simplesmente o de filosofar contra todas as expectativas. Todos os outros problemas são menos graves do que esse, que me parece o fundamental. Já no começo do século XX, muitos países latino-americanos começaram a se perguntar acerca de um filosofar desde a América Latina, e o problema da sua mera existência precedia a todos os problemas de essência: antes de discutir as temáticas e metodologias de um filosofar latino-americano, é preciso perguntar se poderá o pensador latino-americano filosofar.

[...]
Na filosofia hispano-americana já se colocou em xeque há muitos anos – pelo menos desde os escritos de Leopoldo Zea e Salazar Bondy – a identificação entre o “universal” e o europeu; a Europa situou problemas universais a partir da sua perspectiva histórico-existencial e nós, latino-americanos, deveríamos fazer o que eles fizeram, situar os universais desde nossa perspectiva pensante (que inclui, por exemplo, a conquista, uma experiência que o europeu nunca teve). Desse modo, nos afastaríamos tanto de um nacionalismo hoje impensável quanto de um universalismo abstrato, aquele que impera atualmente na comunidade brasileira.
Julio Cabrera, professor argentino de filosofia da UNB. [via.]

Estou começando a achar que a minha monografia foi uma bola dentro.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A crença na vida

Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder. E se é verdade, como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável, deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela vai preceder o gesto definitivo. Estão aí as evidências que são sensíveis para o coração, mas que é preciso aprofundar para torná-las claras à inteligência.
Quando Camus começou o seu "O mito de Sísifo" com mais uma de suas frases lapidares, ele estava levando a pergunta, a questão anterior, a um passo à frente. Não estava fazendo como eu, que concluo vez por outra o óbvio. Dias desses, por exemplo, descobri que a morte é o momento mais importante na vida das pessoas. Não é muito original, admito, mas o meu raciocínio levou em conta que a morte mostra a nossa finitude, trata do inexplicável, antecipa a nossa fragilidade... Tudo o que fazemos é para postergar a nossa vida, mesmo que metaforicamente, mesmo sabendo que a imortalidade, em princípio, mas não cientificamente, é impossível.

Camus sabia disso tudo, claro. O que ele queria com sua pergunta era tentar responder, sendo um discípulo, ou um seguidor, ou um interpretador de Nietzsche: vale a pena viver? Num mundo sem Deus, em que não seremos para sempre castigados num inferno [isso vale um parágrafo, o seguinte], por que continuar vivendo uma vida infeliz?

Claro que Nietzsche, por exemplo, foi um que tentou responder à sua maneira a essa pergunta - e já estamos chegando onde eu quero chegar. Temos que viver nossa de maneira a não nos arrependermos caso tenhamos que vivê-la novamente. O instante é único, mas e se fôssemos condenados à eternidade à nossa vida, você se sentiria no paraíso ou no inferno? Ou você pensa que Sartre não estava sendo, também, irônico quando disse que o inferno são os outros?

O que eu quero dizer com tudo isso é: é impossível viver sem algum tipo de crença e, por assim dizer, uma espécie de sentimento religioso. Sem essa fé, mesmo que minúscula, de que vale a pena continuar, de que vale a pena prosseguir, mesmo quando as alternativas mais sensatas seriam desistir, não sobreviveríamos. Há algo dentro de nós, uma força inexplicável, ou ainda não identificada, que nos mantém acesos. Pode ser vista nos olhos de crianças famintas, na vontade dos doentes terminais de evitar o descanso final, ou na incapacidade de um deprimido crônico em se matar - até para o suicídio é preciso de força. Sérgio Rodrigues uma vez disse algo interessante: "O ser é mais forte que o não ser, enquanto é", que é uma resposta bastante heideggeriana [mas eu não tenho conhecimento de Heidegger para fazer mais que o reconhecimento].

As pessoas acreditam. Acreditam que vale a pena levantar da cama de manhã cedo, mesmo que esteja chovendo e frio lá fora. Que o trabalho será compensado. Que  o casamento é o ideal de felicidade. Que os filhos são prolongamentos dos seus próprios seres. Que o amor é a coisa mais importante da vida. E é eterno. Que há um príncipe - ou princesa - encantado[a] à espera em algum lugar que você ainda não esteve. Que uma carreira bem sucedida traz segurança e tranquilidade. Que vale a pena sofrer cinco dias para viver dois. Que amanhã, tudo vai ser diferente. Que no fim, tudo vai dar certo.

Mesmo o mais arraigado ateu acredita que não há um Deus, ou deuses, que o mundo é controlado por uma série de forças naturais, que se equilibram e desequilibram com o passar do tempo. E usa de argumentos científicos, matemáticos para provar que o universo não tem fim, e está em constante expansão.

Não crer é prostrar-se. É perder a força, a vontade [no sentido de Schopenhauer], a empolgação. É se encasular, é diminuir as rotações do coração até que ele quase para - ou para. Não há diferença. Crer é viver.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Pre-Bukowski with skirts

"L'Absinthe", by Degas
"Yes, I am sad, sad as a circus-lioness, sad as an eagle without wings, sad as a violin with only one string and that one broken, sad as a woman who is growing old. Sad, sad, sad. ... Or perhaps, if I just said 'merde' it would do as well" [Sophia Jansen, the protagonist and narrator of "Good Morning, Midnight", by Jean Rhys]

domingo, 22 de abril de 2012

Dandy Warhols on the top, again

The Dandy Warhols had already been "my favourite band of the last week", as well as had others dozens of groups. This means I have heard all of their albums, but the first, and know by heart all their hits - the tunes, not the lyrics, as I don't know how to sing either "happy birthday". Nowadays, however, I was letting the Warhols on the side, dedicating myself to some novelties [oh, man, the music business is the craziest and fastest of all of the cultural ones!]. Although, once in the top, you will have always a fond for them. So, if I discover they will play on London, I will definitely go, as I did yesterday.

Despite the fact they had already been my favourite band, I didn't know anything about them, besides their music. Indeed, I am a horrible fan. I have never seen the faces of the musicians, didn't know their names, neither knew how many people were in the band. Shame on me, I know. The only opportunity I have watched them live was on the very educative Michael Winterbottom's film "9 songs". However in that occasion, the music was, hum, into the background, if you know what I mean.


Besides the fact I was not familiar with them, I was almost sure they were a little junkie. At least, some of their songs are about heroin ["Not if you were the last junkie on earth"] or to be high ["The last high"]. Of course they also talk about religion ["Mohammed"], philosophy ["Nietzsche"], and all of their references, like   "Ride", or one of the best, "Cool as Kim Deal". But I was very surprised when I saw the vocalist Courtney Taylor-Taylor tanned and apparently healthy as a surfer. Likewise, I was not shocked when, in the beginning of the concert, he seemed stoned, as a surfer. I haven't found any proof of his abilities on the sea. Probably because they [Brent DeBoer on the drums, Peter Holmström on the guitar, and Zia McCabe on the keyboards] are from Portland, in Oregon, one of the coldest states in the USA, in the Northwest, just below Washington.


This stoned attitude was an advantage, though. They have played first all of their more climate tracks, taking us to a different and more elevated atmosphere. Taylor is a very charismatic front man. With a slim body, and long arms, he has almost a sexual relationship with his guitar, resembling sometimes Jim Morrison, sometimes Steven Tyler. Holmström is a quiet and enigmatic fellow, who wears a homburg hat with a feather. DeBoer, Taylor's cousin, is the traditional drummer - never showing up. And McCabe tries to drawn attention to herself dancing or, sometimes, talking to the audience. But the showman of the band is, with no doubt, Taylor.

He arrived with his loose hair, a thin tie and large T-shirt. After the firsts tracks, he took the tie out, hold the hair and started to interact more with the spectators. At this moment, we were impressed, but not exactly in the same mood as them. But after some of their hits, as "Boys better", "I love you", or "Good morning" [if my memory does not betray me] we were conquered. 

In the middle of the concert, they played tracks of the new album, "This machine", which will be released this week. I would highlight "Enjoy yourself", played after he told us a anecdote about a car accident, which I haven't understood a comma. And, the end was just for the biggest hits, like "Bohemian like you" or "Horse pills". At this moment, we were jumping with the whole people in HMV Forum, in Kentish Town. The energy was so high that the security crew made some excited boys leave before the concert finishes. Poor guys.

My favourite moment, although, was in the middle, when DeBoer, McCabe and Holmström left the stage and only Taylor stayed. He said he could sing something while the others didn't come back. And ask for suggestion of the audience, who started to shout all titles. He put one of his microphones [he uses two] to the public and started. He miss one of the chord, apologized, and continued. I don't know if it was fake, but he pick one of my preferred: "Everyday should be a holiday". I agree with them.


  
ps. to prove the concert was one of the best I have ever watched, I have bought a Dandy Warhols' T-shirt. The only band shirt that I have.

sábado, 21 de abril de 2012

Virginia Woolf, 'Mrs. Dalloway', religion and the city [3 and final]

This new religion is the modernism, with its madness, and the urbe. The old religion with a god that could not be seen has changed for some people for one which the main goal is totally materialist.
Look the unseen bade him, the voice which now communicated with him who was the greatest of mankind, Septimus, lately taken from life to death, the Lord who had come to renew society, who lay like a coverlet, a snow blanket smitten only by the sun, for ever unwasted, suffering for ever, the scapegoat, the eternal sufferer, but he did not want it, he moaned, putting from him with a wave of his hand that eternal suffering, that eternal loneliness. [18]
Septimus didn't want a god of suffering anymore. He has just come back from the war and desires to feel well-being in the new city. But he can't. Before this quote, he had already complained about how men should not cut down trees, because "there is God". His wife, Rezia, tries to make him look at something real, take him out of his war nightmares, that has imprisoned him out of the reality. But she could not.

Later, Septimus thinks himself as the as the peak of the society and "lord of men" [48], and after call Heaven as "merciful, infinitely benignant", he disdains the traditional religion: "But what was the scientific explanation [for one must be scientific above all]?" [49]. The world is changing.

He and his wife go visit a doctor, Sir William, who "never spoke of 'madness'; he called it not having a sense of proportion". Proportion is the reason, the rationality, the science, to know how to live in this new environment. But proportion is not alone at this premisses, it has a "sister", "conversion", that "feasts on the wills  of the weakly, loving to impress, to impose, adoring her own features stamped on the face of the populace". Conversion happens when someone wants to preach and convince someone to accept a new god. Proportion and Conversion are not opposite, they are ways people choose to face the world. But conversion is used more with whom does not know how to protect themselves,
in the heat and sands of India, the mud and swamp of Africa, the purlieus of London, wherever in short the climate or the devil tempts men to fall from the true belief which is her own—is even now engaged in dashing down shrines, smashing idols, and setting up in their place her own stern countenance. [72]
The conversion is fake, "offers help but desires power" [idem] - which echoes the actuality, with new churches trying to grow their congregation.

Clarissa feels the same when she must confront one of the actor of the "conversion", her daughter's teacher, Mrs. Kilman. The teacher wants to catechize the kid to believe in God, in the old God, and to avoid the frivolous life her mother uses to have, just celebrating her life [again, we can think about Nietzsche here].

When Clarissa, at the end of the novel, is informed about the death of Septimus, she feels very unease. It is something that she could predict, is out of religions, the old or the new one. Death could not be fit in the ambiance of a party, mainly if it is her celebration. But, then, she got curious about the death, and about Septimus, who she has never met or heard about before. She concludes: "Death was defiance". And life, "Life is made intolerable".

Septimus' death shows her how life is still fragile, even with the science, the rationalism, the new city. Death is still inexplicable. She could not avoid it from her party, where she thought she could control everything, like in a lab. The party, where the greatest men of the city are joined, but who cares if one dies? Everything ends. And she is not sure if her life was good enough to be comfort with the idea of the death. Her marriage is a problem. Her husband is a very respectful person, she likes him, but has she loved him any time? She knows "every one gives up something when they marry" [47], and "she had given up her home. She had come to live here, in this awful city" [idem].

The new religion, the modern city, is not enough to substitute the ancient one. No religion, imposed, not chosen, would be. You cannot find answers for your questions from anyone but you, yourself, inside. Clarissa learned this. "He made her feel the beauty; made her feel the fun." [133].

sexta-feira, 20 de abril de 2012

'Mrs. Dalloway': the religion of the modern cities [2]

In the previous post, I have called Clarissa Dalloway as "probably the main character of the book", because, like other features, it is not so easy to affirm anything about the book. How I have said before, everything is about appearance, meaning there is something bellow this surface you need to know better.

Clarissa clearly leads the book in two different stages: in the beginning and in the end. In between, there are several others characters which the author, Virginia Woolf, visits to show how they think or see London, this, maybe the real protagonist of the work - at least, the only one that shows up at almost every page.

Among this cast there is Septimus Warren Smith, which I have read being called as the owner of the other main role. Septimus and Clarissa never meet each other, and only in the end Clarissa is informed about Septimus' destiny, although, in some way, they are strictly connected, since the beginning. This happens in different forms, but one in specific is important, or, represent what I am writing: they despise religion.

If Clarissa is from the upper classes, and, thus, she thinks herself as the vanguard of the society, therefore, there should be no space in her mind of heart for a traditional god, as it was common in the past among member of the elite, Septimus is a soldier who has just come back from the World War I, and has never believed in any creed. Moreover, he is completely disappointed with the progress of the science, which has just created more efficient murdering machines. As one of my friends has said to me a long time ago, the World War II has buried the indiscrimated believe in the science, as the answer for all of our question. I would add the WWI had already started this process.
But they beckoned; leaves were alive; trees were alive. And the leaves being connected by millions of fibres with his own body, there on the seat, fanned it up and down; when the branch stretched he, too, made that statement. The sparrows fluttering, rising, and falling in jagged fountains were part of the pattern; the white and blue, barred with black branches. Sounds made harmonies with premeditation; the spaces between them were as significant as the sounds. A child cried. Rightly far away a horn sounded. All taken together meant the birth of a new religion— [16]
The idyllic vision of Septimus is interrupted, his perception of the nature almost intact, is fulfilled, or better, contaminated. First, with the cry of a child. Then, with a horn; a horn from, we can imagine, a car; a car, the symbol of the modern city. The last sentence, his conclusion: "All taken together meant the birth of a new religion". The nature is not any more untouched.

[To be continued...]

quinta-feira, 19 de abril de 2012

The religion of the modern cities in 'Mrs. Dalloway'

Like all works of art, Virginia Woolf's "Mrs. Dalloway" can be interpreted by different points of view. Two themes were more impressive for me: religion and regret. Coincidentally, or not, they are connected some way by the same person, who does not appear in any of the 140 pages of the thin, but never banal book: Friedrich Nietzsche.

Or Woolf just caught her Zeitgeist in a very proper way, fictionalizing some insights from the German thinker, or I am being influenced by my previous studies and want to see connections where they do not exactly exist. Anyway Nietzsche does not need to be quote to affirm that "Mrs. Dalloway" is a book that only apparently is flat. It can have one, two, and infinite readings, as we dive inside of the book.

When I called it "apparently flat", I meant it is a work where nothing happens so evidently. Clarissa Dalloway, probably the main character of the book, is making the last preparations for a party. She is part of the upper class in London, her husband is a MP, she has contacts with very important politicians. She got a little confused, though, when she receives the visit of an old friend, Peter Walsh, who has been living in India for the last years. Apparently, they had a kind of crush when they were young, and they, in different ways, regret themselves for not having fulfill their loving desires.

Clarissa revisits her past and feels very sorry for how she has lived. Only by appearance. Clarissa feels empty inside, as she has just lost something very important, and does not know how to substitute it. She does not have any support where she can have a comfort, can feel sustained, sheltered.

This book was written just after the World War I, so, the beginning of the 20th century. At the end of the 19th century, everyone knows, Nietzsche had proclaimed the death of God, who has been in agony since the previous century. Nietzsche had appointed, also, the vacuum that could / would be formed inside of those so used to a guide that used to say what is wrong or which path should be taken. Nietzsche had suggested too that this "free space" would be filled by other ideologies, other totems. It can be seen as the growth of the importance given to the science, for instance, and how it could answers all the questions forgotten by the religion.

Woolf has showed in her book how the modern city was also one of the chosen to substitute the ancient model. In some moment of the narrative, its inhabitants are very surprised by one car that is passing by them. It is not a day-by-day object. It must belong to someone very important, they think almost in unison, the queen, the prince, or at least the prime-minister. They are astonished with this view until the moment when a more spectacular object of the modernity appears: an air plane. They do not know exactly what is happening, the plane is writing something on the sky with the smoke, but they cannot identified. One thinks it is an ad of a toffee, but there are not sure about this, or about anything. They are just amazed.
Away and away the aeroplane shot, till it was nothing but a bright spark; an aspiration; a concentration; a symbol (so it seemed to Mr. Bentley, vigorously rolling his strip of turf at Greenwich) of man's soul; of his determination, thought Mr. Bentley, sweeping round the cedar tree, to get outside his body, beyond his house, by means of thought, Einstein, speculation, mathematics, the Mendelian theory—away the aeroplane shot. [20]
The plane is the symbol of this modern city, connected to the science, to names like Einstein, Mendel, the saints of this new church. But like all the other idols, the city has its feet of clay.

[to be continued...]


segunda-feira, 16 de abril de 2012

More about open internet

The principles of openness and universal access that underpinned the creation of the internet three decades ago are under greater threat than ever, according to Google co-founder Sergey Brin.
In an interview with the Guardian, Brin warned there were "very powerful forces that have lined up against the open internet on all sides and around the world". "I am more worried than I have been in the past," he said. "It's scary."
The threat to the freedom of the internet comes, he claims, from a combination of governments increasingly trying to control access and communication by their citizens, the entertainment industry's attempts to crack down on piracy, and the rise of "restrictive" walled gardens such as Facebook and Apple, which tightly control what software can be released on their platforms.
The rest of the Guardian's interview, here

sábado, 14 de abril de 2012

Jack Upholsterer White

[...] he began a career as an upholsterer. His company was colour coded – everything from his clothes to his van to his tools had to be either white or yellow or black, "as an aesthetic presentation". He wrote his bills in crayon, and hid poems addressed to other upholsterers inside the furniture he restored: "I thought, we're the only ones to see inside this furniture, we should be talking to each other, like the Egyptian masons might leave a message on the stone they were putting in the pyramid. On one occasion, he and another upholsterer formed a band – called the Upholsterers – pressed 100 copies of a single, and hid them inside furniture they were restoring. "Not one's been found yet," he chuckles. "They were on clear vinyl with transparency covers, so even if you x-rayed the furniture you wouldn't be able to find them. I know where a couple of them might be, but it's very funny in that sense."
Via

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Memórias em estado puro

[...] Nós poucas vezes nos vimos novamente, e eu acredito que ele não vá ficar muito feliz com a publicação dessas suas memórias, agora. São suas memórias, claro, mas não estão em estado puro, deixo claro. Eu tomei a liberdade de acrescentar o que eu já conhecia do caráter de cada um dos personagens retratados, exatamente para preencher os espaços em branco deixados entre diálogos e ações. Existem mais coisas entre a vida e a morte que apenas vãs palavras ditas e atos vãos. Há o não-dito, o entendido e o mal-entendido, e o mal-interpretado, e o tentado, e o arriscado, e muitas outras categorias do pensamento. [...]

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Proteção do país?

[...] Eu, porém, não acreditava nos motivos que ele tinha apresentado: proteger o país? Marcos Aurélio? Não que ele não se importasse com o país, ele se importava, e muito, muito mais que a maioria dos milicos, a maioria dos guerrilheiros, mas ele sempre disse, e redisse, que não acreditava na luta armada, em criar uma guerra para acabar com a outra. Em causar o pânico. Sempre disse que era a pior decisão que eles poderiam tomar. Por que, então, agora, logo agora, ele queria entra na luta armada? Será que não havia mesmo alternativas? Será que quando se fica pressionado ao extremo, deve-se tentar escapar usando o que se têm à mão para tentar a liberdade? Será que quando não há possibilidade de diálogo, quando sua voz é ignorada, o melhor a fazer é gritar? Será que eu estou sendo bastante benevolente, cego, perdido, esquecido...? A verdade é que eu não era contra a luta armada, nem Marcos Aurélio. Éramos contra a organização militarizada, sem direito a diálogo, nem a opinião. Ambos os lados se pareciam muito nisso. Talvez fosse um erro nosso, que ele tentou superar, e eu, mais cioso, mais orgulhoso, não. Talvez a única forma de lidar com uma ditadura fortemente militar, e com grande apoio de uma vasta população, era tentar usar da mesma arma, das mesmas armas, e combater de cima para baixo. Talvez ao se tomar o poder – como eles acreditavam que era possível [realmente acreditavam? Ou apenas preferiam morrer lutando que encurralados?] – eles pudessem mudar a mentalidade do todo. Será? Não estaria dentro da menor célula da nossa brava e indômita [!] sociedade um sentimento de superioridade versus inferioridade, um comportamento herdado da nossa escravatura, que mostra que alguns podem ter enquanto outros devem servir? Que algumas pessoas não foram feitas para circular em todos os ambientes porque podem simplesmente enfeiar o espaço, ou não saberem se comportar? Será que não é uma vergonha de nos olhar no espelho e perceber que nós não somos aquilo que queríamos ser, nosso cabelo não é liso nem louro, nossos olhos não são azuis, nem a pele branca – ou não somos apenas isso? Será que é um medo de enxergar a nossa amálgama que está em constante transformação como a nossa grande vantagem? Será que eles não veem que sermos mais novos, como sociedade nos moldes ocidentais, que virou hegemônico, nos dá mais vantagens porque podemos simplesmente ser aquilo o que quisermos, sem tentar nos enquadrar a molduras importadas? [...]

Bile negra

[...]Desculpem a minha bile negra, a minha grosseria, desculpem a minha falta de jeito, mas esse assunto, até hoje, me sangra de um jeito que eu não consigo estancar. Às vezes, perco a razão, sim, perco sim, mas continuo fiel ao que eu sempre acreditei. Às vezes não acredito no que aconteceu, no que fizeram. Todo o meu bom humor se esvai. Mesmo que Marcos Aurélio sempre tenha me dito que nada vale a pena, além do fato do que escolhemos, do queremos com a nossa vontade acesa, e que só assim não vamos nos arrepender quando fomos rever aquele filme no instante final da vida, ou não vamos ranger os dentes quando o demônio chegar e nos avisar que vamos ter que viver essa mesmíssima vida pela eternidade, e percebermos que o inferno – ou o paraíso – foi a nossa própria vida. Só não nos arrependeremos quando, sempre que pudermos, fizermos o que queremos – ele repetia e eu repito, agora, já velho, caquético, caduco, para os meus bisnetos que me ignoram, que brincam comigo como se eu fosse um boneco de pano – o que, para mim, é divertidíssimo. Mesmo com tantas desgraças, tantas lembranças ruins, eu não me arrependo. Eu viveria essa vida de novo, porque o que aconteceu eu não pude evitar. Eu fiz o meu melhor, eu sei que eu lutei com todas as armas que eu sabia manejar. Eu jamais optei por um caminho porque era o que todos tomavam, só segui a minha rota, muitas vezes sozinho, como dessa vez, tentando, à medida do impossível, sorrir, tornar o mais pesado fardo algo divertido. [...]

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Palavras sem sentido


[...] Diz ela e o silêncio quebra novamente: a noite invade pela janela e nos pressiona, torna a gravidade mais grave... grávida. Eu... eu nunca... Imaginei... Eu... [balbucio abobado]... as palavras escorregam, como gelatina, eu tento prendê-las nos dentes, mas elas escorregam, moles, e saem sem sentido, ma... qu... co... as... po... im... m... h... fi... As palavras perdem o seu sentido, perdem o seu sentido. Para que lado devem ir, quando a bússola não fala onde é o norte, como descobri-lo? Perde-se, se perdem numa floresta cheia de árvores com letras penduradas, e você, com um carrinho de supermercado vai colhendo e colocando dentro do carrinho, ou você está num ambiente branco, todo branco, sem dimensões: onde é a profundidade, onde é o chão, até onde vai o horizonte?

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O encontro

[da coluna do Verissimo nos jornais brasileiros, neste domingo, 8/04/2012]

Um homem livra-se de todos os seus bens materiais, abandona a família e vai viver no deserto. Leva o suficiente para sobreviver no deserto durante um ano. Não fazendo nada, só olhando o sol de dia e as estrelas à noite. Quer se encontrar com Deus e não quer nada à sua volta. Nada que distraia sua atenção, nada que confunda sua visão no caso de Deus aparecer. E o deserto é nada para todos os lados. Nada de horizonte a horizonte.

Mas de tanto olhar o sol e examinar os horizontes esperando ver Deus, o homem fica cego. É socorrido e levado para um hospital numa cidade grande, e, incapaz de ver o que o cerca e distinguir o sono da escuridão da cegueira, mergulha em si mesmo - e encontra Deus, que o recebe com um "alô" amistoso.

- Eu queria muito encontrá-lo - diz o homem.

- Eu sei, eu sei.

- Fui procurá-lo no deserto, despojado de tudo, livre da civilização...

- Pois é, foi no lugar errado. Acontece muito. Eu estava aqui todo este tempo.

- Esperei você em vão.

- Para dizer a verdade, não gosto muito de lugares ermos. A gente começa a pensar demais, a se autoquestionar... E a solidão? Prefiro lugares onde há gente e movimento. Bom é civilização.

- Mas ninguém se lembra de procurar você dentro de si.

- Pois é. Querem espetáculo. Visões no deserto. Epifanias. Conversões cinematográficas. Não é o meu estilo.

- Mas...

- Vê se dorme um pouco. Amanhã a gente conversa. Agora você sabe onde me encontrar.

domingo, 8 de abril de 2012

Oxford x Cambridge: quem ganhou?

"Foi uma das corridas mais cheias de acontecimentos da História". Diz assim o site oficial de uma das "mais antigas e prestigiosas competições esportiva" da Inglaterra, a disputa entre Cambridge e Oxford no remo, sobre o evento de ontem.

Se ninguém quer bater o martelo, lá vou eu, do alto da minha experiência de ter assistido a apenas uma dos 158 embates: foi a mais emocionante. Vendo o histórico de controvérsias, lendo as reportagens sobre o assunto, é possível chutar que nunca houve nada parecido com o que aconteceu na tarde de sábado.

E passaram por nós. Oxford estava liderando

Não, não havia ninguém da família Laurie competindo por Cambridge, como aconteceu com Hugh, o futuramente famoso doutor House, que perdeu em 1980, ou o seu pai, Ran, que ganhou, também por Cambridge, entre 1934 e 1936 -e depois foi medalha de ouro nas Olimpíadas de 1948, em Londres.

E, sim, já havia ocorrido o choque entre os remos das duas agremiações, como aconteceu neste ano. E, também, a corrida já tinha sido interrompida em outras oportunidades.

Porém, nunca, jamais, em tempo algum, houve um evento em que um sujeito tentou fazer um protesto contra o comportamento das elites britânicas, nadando no meio do Tâmisa e bloqueando a competição. E eu não vi registro de nenhum caso que o remador, exausto, tenha desmaiado ao passar pela linha de chegada e tenha sido levado a um hospital. Cronologicamente portanto:

Hugh Laurie, treinando com os seus
companheiros, em 1980
Uma multidão se posicionava desde cedo na margem do rio em Putney, para assistir à partida da competição, marcada para as 14h. Todo mundo bebia cerveja e fazia o mais próximo de carnaval que os ingleses-mais-ingleses-possível conseguem fazer.

No horário marcado, após um juiz conferir que os dois barcos estavam exatamente na mesma posição, eles largaram. Passaram por Putney muito rapidamente, quando pudemos perceber que Oxford tinha uma pequena vantagem.

Logo em seguida, as pessoas começam a sair, ir embora, clima de "já acabou". Porque tínhamos mais cerveja para beber, resolvemos conferir quem tinha ganho de lá mesmo -a competição dura menos que 20 minutos.

Descobrimos, então, que um  manifestante de 35 anos quis interromper o embate para demonstrar todo o seu desgosto pelo lado elitista da sociedade inglesa. Porque, segundo Trenton Oldfield [o nome do rapaz], o elitismo leva à tirania. Acho que ele deveria passar um tempo no Brasil.

De toda forma, a prova parou e decidimos conferir o final em casa. Quando ela recomeçou, novamente Oxford estava à frente, mas, em uma manobra polêmica [mais uma], talvez da timoneira de Oxford, querendo aproveitar melhor as correntes, talvez do de Cambridge, com a mesma intenção, ou até num processo mais camicaze do pessoal de Cambridge, os dois barcos se aproximaram e os remos se chocaram. Um dos oito remos de Oxford quebrou e ficou pelo caminho, o que deu uma vantagem enorme para Cambridge, e motivou uma opinião do locutor da BBC que me fez lembrar certos comentaristas no Brasil: "o remo não é igual a futebol...". É verdade, comentou um dos presentes, ninguém, no futebol, interrompe a partida nadando.
As pessoas aproveitam para toma uma cervejinha

A partir daí, Cambridge remou para a vitória tranquila, com o grupo de sete remadores e um passageiro de Oxford se esgoelando para tentar acompanhar - o que, provavelmente, causou o teto-preto de um deles, ao cruzar a linha. O que, por sua vez, também providenciou outro comentário, digamos, espirituoso do moço da BBC: "ele precisa de oxigênio". Que triste -deve ser- precisar de oxigênio.

A polêmica ficou por conta da não-interrupção, novamente, da corrida, após o choque dos remos. Essa não foi a primeira vez que a competição foi parada. A última, inclusive, foi exatamente por conta de um choque assim, que causou a perda de remos de Cambridge, há 11 anos -se minhas contas estão certas. Desde então, foi instituída uma autoridade que toma as decisões de parar ou continuar. Isso me levou a crer que o juiz ou não queria interromper a prova mais uma vez [porque aí seria demais], ou, pior, quis beneficiar Cambridge.

Óquisfor para sempre poderá dizer que foi roubada. Cambridge, que esse é um choro de perdedor. Mas eu duvido que isso aconteça. O primeiro comentário após sair da água dos rapazes de Cambridge perguntavam sobre a saúde do remador de Oxford levado para o hospital. E eles só comemoraram quando souberam que estava tudo ok com ele. "Comemoraram" não é bem uma boa palavra, vocês podem imaginar. E olha que dos 18 atletas na água, 11 [cinco americanos, um holandês, dois australianos, dois alemães e um neozelandês] eram estrangeiros. Mas, competindo, eles não têm nacionalidades. São de Oxford e Cambridge.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Pick me up, before you go-go

Todos os anos, artistas gráficos, desenhistas, designers e coletivos de que produzem material ilustrativo se reúnem e entram na Somerset House, um dos prédios mais bonitos de Londres, construído ainda no século XVI, com arquitetura em estilo Tudor, mas com influência renascentista [a história do prédio vale a leitura], para mostrar seus talentos na Pick me up. A feira aconteceu semana passada e mostrou que, às vezes, é necessário apenas saber desenhar para se produzir aquela faísca que aprisiona o olhar, que segura a respiração, que cessa os batimentos cardíacos e que algumas pessoas simplesmente chamam de arte.

Eu passava pelas exposições individuais dos artistas e ia marcando no meu caderninho os nomes com estrelinhas do que eu mais havia gostado. Vou colocar aqui na ordem que eu vi, e o que, na minha opinião, vale ser conhecido:

Riikka Sormunen [****] - finlandesa nascida em 1986 que mora atualmente em Berlim e me impressionou logo na abertura da feira - era a primeira artista a ser exposta. Gostei dos traços retos, da sensualidade das imagens, da paleta de cores, da descrição dos espaços... enfim, foi a minha preferida durante toda a exposição.

"Nest" [já sabe, clica na imagem para ver maior]


 Paul X Johnson [***] - inglês, que mora no nordeste da ilha. Gostei do jeito sóbrio, antigo [vintage?], cool, piada amarga, de suas peças.

"Beyond the sea"
 Phil Wrigglesworth [**]  - inglês, de não sei onde- Gostei do humor, do jeito de cartoon, mas me incomodou um pouco as referências infantis - nada que estragasse os desenhos.

"Tennis magazine"
Tim Mcdonagh [***] - gostei da vivacidade das ilustrações, do nível de detalhamento, das cores, do traço, do jeito meio caótico de juntar tudo num mesmo pedaço. Me lembrou alguns artistas de quadrinhos.


Yoko Furusho [***] - japonesa, como o nome entrega - gostei também da quantidade e qualidade dos detalhes, do jeito meio naïf, mas só meio, porque há uma pontada de acidez. Parece que estamos vendo um sonho, que nem sempre tem um fim feliz.

"When the moon cries"
Sarah Maycock [**] - Esse urso abaixo e, principalmente, essa raposa mereceriam mais que duas estrelinhas, mas, do que eu vi na exposição, o restante não acompanhava o nível. Gostei muito do jeito de só insinuar o traço, brincar com as cores, e que cores: parecem mais reais que a realidade.


Jon McNaught [**] - Narrativa simples, poética, tipo se Manoel de Barros fosse ilustrador e inglês [exagero, eu sei]. Bom uso de cores, de sombras, de luz. Traço quase minimalista.




Matthew the Horse  [**] - uma coisa meio "Cearenses internacionais", se é que vocês me entendem.



Além das individuais, havia ainda os coletivos, como o pessoal do Cachete Jack e do Many Hands. Vale conferir também. 

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Sinal dos tempos na arte

Nessa semana por uma coincidência termina a exposição das paisagens do artista inglês David Hockney, na Royal Academy of Arts, e começa a retrospectiva dos trabalhos da década de 1990 de Damien Hirst, no Tate Modern. Se o primeiro é injustamente desconhecido no Brasil por quem não acompanha arte mais de perto, o segundo é injustamente conhecido, exatamente porque a sua produção extrapola os limites, num sentido complicado da expressão, do bom senso e do bom gosto no campo das artes.

"Winter Timber", uma de suas peças que eu mais gostei

As obras de Hockney dialogam com a tradição, mas tentando encontrar um caminho próprio. Nessa exposição, foram reunidas todas as suas produções que tinham como tema "paisagem". Portanto, há pinturas a óleo imensas e sequências de aquarelas, além de esboços e desenhos a carvão, meios que fazem jus à alcunha de "artista" desde que esse termo começou a ser empregado a quem gosta de desenhar.

Mais de acordo com os tempos tecnológicos em que vivemos, também foram feito desenhos em iPad e impressos em sequência, para formar uma instalação [como ele mesmo a chama]. Ou uma floresta, no meu ver [dá para ficar até meio zonzo].

Ou ainda, elevando a sua preferência por retalhar uma imagem imensa em fotos polaroides, como já havia mostrado aqui na sua homenagem a Picasso, ele retalha seus quadros gigantescos em inúmeros painéis. Além disso, ele também recorreu ao vídeo digital em alta definição para, com nove ou 18 câmeras ao mesmo tempo, registrar um ambiente. Tudo isso é bem impressionante.

Não é só a mídia que ele utiliza que chama a atenção, nem a forma como ele a utiliza -senão, o formato seria esvaziado, como, aliás, acontece com Hirst e suas, hum, instalações- mas o que ele retrata, como ele pinta, e, o mais difícil, a maneira como ele capta a beleza das coisas.

Um dos detalhes de suas obras que mais me chamou a atenção e me deixou ressabiado à primeira vista foi o uso de cores nem sempre usuais, como roxo, ou um verde claro, mas luminoso, quase fluorescente. É uma escolha exagerada, que incomoda os olhos na primeira olhada. Com o passar do tempo na observação, entretanto, você começa a se acostumar, e o quadro se torna mais que agradável, se torna único, novo, recria algo que não existia antes. Aprisiona uma beleza sem precisar ser realista, nem repetir exatamente as cores da paisagem retratada.

"A bigger Grand Canyon" [clique na imagem para ver melhor a obra]

Ele usa dois tipos de processo para fazer essas paisagens: pinta por observação, e de memória. No caso da observação, o fato de ele usar telas menores, facilmente carregáveis, o ajuda a pintar o seu quadro olhando diretamente para a paisagem e depois só precisa apenas montar o todo em estúdio. No segundo caso, para mim o melhor, ele usa a sua memória para tentar recriar o ambiente.

A memória se transforma em imaginação, ou, no mínimo, fonte para a sua imaginação, e ele não respeita a realidade mais, recriando as paisagens de maneiras diversas ao original. Como se tirasse o poder do realismo, derrubasse a pretensa verdade do retrato direto. As suas produções de memória [e imaginação] são, na minha humilde opinião, mais interessantes.

Ao ouvir o audioguia da exposição, podemos conferir as opiniões do próprio Hockney sobre as suas produções. Ele diz, a certo momento, que sabia que a pintura de paisagens foi um tema bastante visitado na história, e que as pessoas sempre dizem que não se pode fazer nada além do que já foi feito. Ele afirma que tinha conhecimento dessa ideia, mas que sempre, também, duvidou que isso poderia ser uma verdade absoluta. Porque a natureza, diz ele, é quase inapreensível, ou, por outro ponto de vista, sempre mutável. A natureza pode ser eternamente objeto de obras com pretensão artística. Não poderia concordar mais.

***

E o Hirst, hein? Bem, não vi, nem quero ver. Suas obras representam, para mim, tudo o que há de pior no âmbito da arte, hoje em dia. Suas produções são exageradas, grotescas, que visam apenas o choque, como se ainda vivêssemos no ambiente das vanguardas. Apesar de ser mais novo que Hockney, parece mais datado que o conterrâneo.

Em vez de conferir um tubarão mergulhado no formol, prefiro ver um elefante sem pele, que nunca se propôs ser arte, mas é, ao menos, mais bonito.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Internet aberta x fechada

Na semana passada, fomos a um evento dentro do "Guardian" que tinha debates sobre diversos assuntos. Como não sabíamos que era necessário reservar mesas com antecedência -o jeito londrino de ser pontual na internet-, acabamos caindo nas palestras que ainda tinham lugar sobrando, quando fomos escolhê-las, uma semana após o início do processo. Perdemos Ian McEwan e Alain de Botton, e ganhamos Clay Shirky, duas vezes. Não posso dizer que estou arrependido.

Na primeira mesa, ele foi entrevistado pelo editor-chefe do "Guardian", Alan Rusbridger, e na segunda dividiu o palco com Richard Allan, diretor de políticas para a Europa do Facebook, e Rachel Whetstone, chefe global de comunicação e políticas públicas do Google, sendo moderado por Ian Katz, o editor de notícias do "Guardian". Esse namedropping todo é só para mostrar a importância do moço que, apesar de ser ressaltado a todo momento, me pareceu bastante gente-como-a-gente.

Fisicamente, ele lembra muito o Tom Hanks, só que completamente careca. Até nos trejeitos, ele é igual ao ator americano na sua versão comédias-rasgadas. Ao lado do quase lorde inglês Rusbridger, fica até, realmente, engraçado. Shirky é um americano exagerado, que gesticula muito, se mexe na cadeira a todo momento, enquanto Rusbridger parecia uma estátua que abria a boca e emitia som. Na segunda mesa, ao ser apresentado pelo excelente moderador Katz, foi descrito como professor da New York University, que tem conhecimento profundo sobre tecnologia, o ambiente virtual, e tudo o que envolve esses aspectos, tendo escrito dois livros sobre o tema, mas que, principalmente, tem bastante insights, que passam despercebidos pelos demais. O que faz bastante jus ao que eu vi.

Entre diversos assuntos que ele falou, do jornalismo em tempos de internet, do nível do debate na rede, de como moderar comentários, do financiamento de produtos online, um, especificamente, me chamou a atenção: a liberdade na internet.

Antes de vir para cá, as colunas do Hermano Vianna no "Globo", a minha mais frequente referência à tecnologia -pelo lado, digamos, antropológico- falavam majoritariamente sobre esse mesmo campo. Hermano reclamava, assim como o Eli Pariser, do outro post, de como a proposta da rede de ser completamente livre estava, ao menos, com as perspectivas atuais, fracassando.

Hoje em dia, só visitamos sites dentro de ambientes com grandes controladores, repara só. A grande maioria da navegação está no Facebook, que estaria caminhando, segundo as previsões mais pessimistas, para substituir a rede itself. E, quando fugimos do Facebook, caímos no Google, e os seus cálculos que tentam descobrir o que nós queremos realmente ter acesso. Ou seja, não teríamos mais uma liberdade-absoluta para a escolha [e será que algum dia tivemos? ou será que é possível ter], mas uma liberdade condicional, assistida, determinada por critérios nem sempre claros, e nem sempre justos.

No meio dos tubarões do Facebook e do Google, Shirky permanecia quieto, no seu canto, escutando da moça do Google que não há qualquer diferença na busca realizada por duas pessoas com perfis diferentes, e do moço do Facebook que eles não sabem como vão se comportar na China, quando tiverem que chegar lá. Porém, como a mesa se chamava "Will be the internet open?", Katz jogou para ele, Shirky, dar a opinião final, antes de terminar.

Ele foi sóbrio, o mais sóbrio e realista que se pode ser nesses aspectos. Tentou não idealizar a rede, mas interpretar os sinais que ela dá agora, e saber o que podemos fazer com isso, o que podemos aprender. Primeiro ele disse que a internet já não é aberta, e talvez apenas idealisticamente, ou para grupos específicos, ela um dia foi. Portanto, imaginar um dia a internet livre é pensar em um paraíso que talvez nunca existiu na realidade para a maioria. Segundo ele, vivemos agora num mundo híbrido, entre o aberto e o fechado, passando por esses dois mundos, sem nem perceber.

Depois, ele falou o óbvio - que às vezes necessita ser falado: a internet "fechada" tem algumas vantagens sobre a "aberta". Se não tivesse, ninguém iria querer participar disso. Mas ele foi além e deu alguns exemplos: a ajuda para encontrar assuntos que você está procurando. Basta lembrar os tempos pré-Google para saber como era difícil pesquisar. Ou como é bom a sensação de reencontrar um amigo de infância, que você não vê há muito tempo. Ou seja, a internet fechada organiza, de alguma maneira, o caos que é a internet. [Poderíamos entrar num papo mais filosófico sobre caos e organização, mas vamos deixar para outro dia.]

O que não quer dizer que a internet fechada só tenha vantagens. Ela castra as possibilidades, negando qualquer caminho que não o pré-determinado, por critérios nem sempre cristalinos. E o usuário cada vez mais vai se acostumar aos cinco, seis sites que frequenta normalmente. Ele não deu essa metáfora, mas eu dou: o internauta atual seria como um pássaro que gosta de ficar dentro da gaiola, porque é mais seguro e, quando sai, não sabe mais voar longas distâncias.

Como ele não precisava prever o futuro, ele apenas diagnosticou o nosso presente, o que nos deixa em uma bifurcação. Mas eu arrisco dizer que devemos, à medida do possível, navegar mais anarquicamente, procurando assunto e temas que não são comuns, visitando sites totalmente desconhecidos, clicando em links [em lugares seguros] sem saber para onde vai ser levado. Porque de cotidiano monótono, já chega a vida lá fora.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Voz interior

O nosso destino foi a minha área preferida do Rio. Não é a praia, que eu também gosto, nem qualquer das belezas naturais, que tornam a cidade única, mas o lugar que melhor guarda o passado, como se fosse o presente. Ao menos, um presente possível. Ou, simplesmente, um presente. Começamos a andar perto da Candelária, no fim da Presidente Antônio Carlos, até a Praça XV – ah, a Praça XV. Ficamos parados na Praça XV, do lado do Paço, perto do Chafariz do Carmo, construído pelo mestre Valentim, um dos únicos lugares de abastecimento de água em toda a cidade, lá pelo fim do século XVIII. A obra, curiosamente, ficou pronta em 1789 – o famoso ano de 1789, que derrubou o rei na França e que, ao fim da ainda mais famosa Revolução, trouxe Napoleão ao poder, que, por sua vez trouxe ao Brasil Dom João, que por sua vez, voltou e deixou o filho aqui, que por sua vez, declarou a independência do país, estabelecendo um império e depois voltou, deixando o filho, que era uma criança ainda e...

- No que você está pensando, xará? – me perguntou Marco Aurélio, interrompendo a minha progressão, e me fazendo despertar.

- Nada, nada, não. Estava viajando...

- Esse lugar é incrível, né?

- Bastante. As pessoas passam esbaforidas aqui, sem nem reparar no Paço. O Paço, caramba, que é incrível. Lembro a primeira vez que eu vi o Paço. Fiquei muito impressionado.

- É...

- As pessoas têm um pouco de vergonha do nosso passado, né.

- Certamente.

- E querem mudar as coisas com violência. Combater a violência com violência. Não parece muito inteligente. Só vai gerar uma resposta ainda mais violenta. Além disso, querem mudar uma ditadura para uma ditadura. Quem garante que será a melhor solução? Quem garante que a outra ditadura também não vai reprimir, como essa faz? Eu não sou a favor da ditadura, por favor, mas, quero deixar claro que não sou a favor de nenhuma ditadura.

- “Democracia é a pior forma de governo, com a exceção de todas as outras formas que foram tentadas de tempos em tempos”.

- É do Churchill, né?

- É.

- Pois então. Um conservador! Achar que o outro, que o diferente de você deve ser calado é, no mínimo, uma estupidez. Me parecem que todos estamos perdidos. Como crianças que querem brincar à vera com os adultos, mas não têm força para tanto.

- Parece que ouvem, mas não escutam, veem, mas não enxergam.

- Mateus capítulo 13, versículos 13 e 14 – disse uma senhora de cabelos branquinhos, encaracolados, com os olhos azuis, e a pele enrugada, que passava pelo nosso lado.

- Oi? – respondi, eu, intrigado, enquanto Marcos apenas sorria para a senhorinha.

- Em verdade, é um pouco diferente, pelo que eu me lembro. Deixe-me pegar aqui a minha bíblia...

- Senhora, nós não... – tentei começar a dizer algo, bem pré-fabricado, mas Marcos Aurélio me interrompeu, sem falar nada, apenas com um gesto da mão e o olhar e o sorriso ávidos para saber o que ela tinha a dizer. – Mas... – ainda tentei falar com ele, e ele apenas acenou com a cabeça em direção à velhinha, sem olhar para mim, como se disse que queria ouvi-la, e que eu não deveria interromper.

- Aqui está. Achei. Em Mateus, capítulo 13, versículo 13 e 14, Jesus diz: “Por isso, lhes falo por parábolas; porque, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem, nem entendem. De sorte que neles se cumpre a profecia de Isaías: Ouvireis com os ouvidos e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos e de nenhum modo percebereis.” O senhor Jesus Cristo tinha acabado de ser perguntado pelos apóstolos por que ele falava por parábolas, por que ele não era direto, e ele respondeu que nem todo mundo conseguiria entendê-lo se ele falasse diretamente. Mateus continua, numa parte que eu gosto muito, citando ainda o senhor Jesus Cristo: “Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os ouvidos e fecharam os olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados. Bem-aventurados, porém, os vossos olhos, porque vêem; e os vossos ouvidos, porque ouvem.”

- Muito bonita passagem – diz Marcos Aurélio, antes que eu pudesse fazer qualquer comentário.

- Também acho – a velhinha respondeu. – Acho que ela se aplica a muitas outras coisas, como, aliás, uma boa parábola.

- Concordo plenamente – respondeu Marcos Aurélio, sorrindo, e monopolizando a atenção.

- Bom, tenho que ir. Se vocês quiserem saber mais sobre a bíblia, nós temos um grupo de discussão, eu e algumas amigas. Vou deixar com você o nosso endereço. – ela começou a rabiscar num pedaço de papel, que logo em seguida rasga e entrega a Marcos Aurélio – Tome. Muito bom falar com você.

- Obrigado – responde ele – Muito bom falar com você também.

Aquela senhorinha foi em direção às barcas, com uma agilidade impensável para a sua idade, enquanto nós dois a acompanhávamos à distância.

- Não entendo – disse eu para Marcos Aurélio – Por que você deixou que ela falasse sobre a bíblia, por que você não simplesmente a interrompeu?

Marcos Aurélio me olhou e sorriu o sorriso que ele sempre sorria quando tinha muita certeza do que tinha feito, e percebia que as pessoas em volta dele não tinham entendido bulhufas do que havia acontecido. Um sorriso de compreensão, de uma superioridade carinhosa, que ele queria compartilhar, que ele queria igualar os demais com ele. Um sorriso caloroso, que aproximava as pessoas, que era como um abraço, que dizia, estamos juntos, que dizia que não era um problema não ter entendido o que tinha acontecido. Eu, ainda perdido, tentando raciocinar, manter o meu ponto, seguir na minha conclusão, continuei, esbravejando, um pouco cego:

- “A religião é o ópio do povo”!

Ele se aproximou, me deu um abraço, de um braço só, e começou a caminhar, pela Praça XV em direção à Carioca.

- Que bom que nós sabemos que não somos diferentes deles. Que não temos qualquer sentimento de superioridade. E, se tivéssemos, a realidade nos demonstraria que não somos.

- O quê? Não to entendendo nada!

- Por que essa senhorinha não pode falar conosco? Por que ela não pode falar sobre religião?

- Foram os carolas que deram o golpe!

- Os mesmos carolas que diziam que comunista come criancinha, não?

- Isso! O povo, perdido, fica dominado pelas palavras dos padres que não querem perder o seu rebanho, não querem acabar com a miséria do povo!

- Nelson, Nelson, Nelson. Você está falando como eles!

- Oi?!

- Qual é o problema da religião?

- Ela nubla a visão das pessoas. Faz com que as pessoas não percebam a realidade.

- E qual é a realidade, xará? Qual é a realidade real?

- É do povo que sofre, é de...

[Interrompendo.]

- Meu chapa, não precisa usar as palavras que você aprendeu nas reuniões do DCE. Tente usar as suas próprias. Tente encontrar a sua própria voz, dentro de você, não tente repetir o que os outros já disseram tantas vezes que, agora, elas se transformaram em um slogan que quer ser verdade, pela repetição.

Fiquei intrigado, olhando para ele com um ponto de interrogação desenhado no meio do meu rosto, com a minha cabeça meio perdida, sem chegar a qualquer conclusão, como se tivesse deixado de seguir uma trilha, e agora estivesse no meio de um desses labirintos feitos de plantas, sem saber para onde ir, achando que todos os caminhos eram bem iguais, que todas as folhas fossem a única folha, repetida eternamente.

- Eu não entendo.

- Não existe um inimigo que devemos combater, fora de nós mesmos. Não existe um eles e nós, um eu e você. Somos uma única pessoa, como espécie, e somos, dentro de nossa individualidade, muitos, infinitos.

- Eu estou me sentindo confuso.

- A confusão, o caos são bons. Vêm daí as ideias mais incomuns.

- O que você quer dizer? O que a senhorinha religiosa tem a ver com isso?

- E se ela só quiser estudar a bíblia? Qual é a diferença dela para você?

- A bíblia é um livro que só conta mentiras!

- Tão religioso. Parece que você precisa de alguém para lhe guiar ainda.

- Bicho, to ficando na bronca, você não explica nada!

- Meu chapa, o que estou querendo dizer é que a religião, assim como o ateísmo –essa forma de religião estranha– não são maneiras de você excluir ninguém, ou gostar automaticamente de alguém. Esse comportamento é digno das ditaduras, onde você é permitido gostar de alguma coisa, ou é discriminado caso se interesse por outras. Pense livre, pense aberto, abra a sua cabeça, aceite o outro, “ame o próximo como a si mesmo”.

- Até tu, Marcos Aurélio?

- Eu estou sugerindo apenas que você acabe com os seus preconceitos. Tente parar de julgar as pessoas antes que elas se apresentem para você, antes que você possa ter sua própria opinião. Não siga as grandes máximas que são ditas em todos os lugares, como se fossem verdades. Tente escutar o que você fala.

- Você continua a dizer para eu escutar a minha voz interior, mas eu devo ser mudo, no meu interior. Ou surdo, no meu exterior.

[Sorrindo.]

- Talvez você apenas não esteja prestando a devida atenção para a sua voz interior.